–Boa noite, Zema!
Na festa inspetorial, ele me estendeu as mãos, mas não encontrei o sorriso franco e escancarado do amigo de tantos passos em comum.
Zema, o jovem maranhense que foi acolhido no estágio vocacional de 1982, em Ananindeua. O então Pe. Flávio Giovenale e eu assinalamos que ele deveria concluir o ultimo ano de seu curso de Agronomia, cursando então. Ele resistiu e entrou no mundo salesiano. Sobre aquele estágio, ele sempre contava do espanto de ver o padre José Dalla Valle, então Diretor, jogando vôlei com os vocacionados, mostrando suas fortes pernas brancas, sem qualquer marca de sol. Contava como estranhasse ver o riso escancarado do Pe. Flávio e as loucuras do Pe. Bené. Zema fugia do modelo dos sérios frades capuchinhos com seus hábitos, na distância da seriedade de pessoas sagradas; o modelo salesiano o encantou.
Anos depois, ele me escolheu para ser o mestre de celebração de sua ordenação sacerdotal, lá em São Luis. Eu, padre recém-ordenado, não dominava os meandros do cerimonial; fui de coração, mesmo que o Arcebispo me ralhasse de vez em quando, quando o ritual era levemente atropelado; ao recordar aquele momento, Zema recontava os detalhes e ria gostosamente e dizia: “Bené, tu és doido!”.
Depois fomos morar no Pró-Menor Dom Bosco. Ele animador da Pastoral e eu, Pároco da Santa Teresinha; muitas convivências, muitas gargalhadas, muitas confidencias. Então convivi com um Zema sempre na sua elegância refinada, discreta, mas chamativa, indisfarçável vaidade, muito ligada à altivez da raça; apresentar-se bem era uma de suas mensagens educativas. Num certo dia de passeio de banho, eis que vimos Zema chegar de sapato bem engraxado, blusa social e calça cumprida de vinco…espanto e risos;
Zema, o temperamento forte, o que, como dizia ele, “minha mãe me ensinou não levar desaforo para casa!”. Então ele esbravejava, gritava, espantava. Não permitia ser contrariado, nunca silenciar diante de abusos. Mas não era este seu temperamento cotidiano.
Zema, o salesiano sonhador. Quantos projetos de iniciativas pastorais e educativas ele partilhou comigo, pedindo opinião. Os horizontes do Zema estavam sempre mais além. Nos projetos, conseguia ser temerário, mesmo que muitos projetos parecessem irreais para muitos, como seu sonho de abrir uma Faculdade no Colégio do Carmo. Zema, o diretor que radicalizou uma de minhas criações, o “Agito Dom Bosco”, dando novos e mais agitados contornos;
Zema, o animador vocacional. Tudo começou quando ele criou, na Paróquia Santa Teresinha, o “grupo dos encalhados”: rapazes com idade entre 25 e 30 anos, sem namoradas, que se perguntavam sobre o sentido da vida; era uma experiência de vocacionado adulto, caminho em que o Zema se tornou especialista. O interesse pelas vocações autóctones era um constante no seu coração, e fonte de choque com outros irmãos de outras nacionalidades;
Zema, o compositor: na ISMA, cantamos algumas de suas composições; parece que o Antônio Orlando Jr., o Toninho, ( ex-aluno e ex-colaborador do centro inspetorial) recebeu o encargo de gravar suas muitas composições que não podem cair no ouvido.
Zema, o padre que fugia de velórios e enterro de defuntos. Ir ao cemitério, fazer encomendações, nem pensar; na Paróquia, o fazia mais por amizade do que por dever sacerdotal. São muitas as estórias hilárias que ele protagonizou.
Zema, o irmão orgulhoso de sua origem negra. Em Belém, no Carmo, ele integrava, com especial consciência, o chamado “poleiro de anum” (professores, funcionários e pais de ascendência negra).
Zema, o maranhense que se identificava com a cultura popular do boi-bumbá ( aquele do Maranhão e o do Amazonas) e das folias populares como o carnaval. Um dia, em Manaus, ele resolveu desfilar na Escola de Samba da Aparecida, porque dizia: “o pastor deve estar lá onde o povo e os jovens estão”. Foi enganado e recebeu uma fantasia que provocou mais risos e comentários jocosos do que aplausos.
Zema, o irmão que com todas as suas contradições, gerava especial encanto sem muitas pessoas, conquistava os corações, alegrava a vida, era amado pelos jovens da escola, da paroquia, dos oratórios. Zema, nome sempre presente nos lábios de dona Glória, dona Maria José, dona Joaquina de Fátima, referências permanentes de mulheres que, em Belém, somaram com sua missão salesiana e com todos os salesianos.
Ainda falta a concretização de um seu permanente sonho: ver a presença salesiana implantada em São Luis, do seu Maranhão. Até uma grande estátua de Maria Auxiliadora ele encomendou para marcar a presença que foi semeada, mas não vingou. Um dia, Zema, verás teus jovens irmãos maranhenses plenamente identificados com a vida e a missão salesiana. Então voltarei a sentir aquele teu riso característico que me ocultaste naquela noite, na casa inspetorial.
Teu irmão, Pe. Bené
1 comentário em “Zema!”
Padre Zema. Obrigada pelo seu testemunho em seguir Jesus na vida salesiana.Obrigada pela sua doação total, deixando sua terra Natal tão distante para partilhar vida na Amazônia, ser um Dom Bosco vivo no meio dos jovens, semeando alegria de ser feliz e gritar ao mundo que é lucro viver na radicalidade pelo reino. agora vives em Deus contemplando as maravilhas que Deus preparou para os justo que viveram realizando sua vontade e apontando caminhos aos jovens e a todos que ao teu lado tiveram a alegria de te conhecer e acolher teus ensinamentos, partilha da Palavra, da Eucaristia que a missão te disse: va ie anuncia. O Reino de Deus est5á próximo!