Santiago/Chile – Reflexões sobre a Visita de Conjunto (3)
Nossa noite da terça-feira terminou com uma bela confraternização com o reitor-mor e os membros do conselho geral. Cada noite ele se encontra com um grupo de três inspetorias. Ontem foi a nossa vez juntamente com as inspetorias de Porto Alegre e Mato Grosso. Pe. Pascual estava animado, muito próximo, um verdadeiro pai no meio dos filhos. Aliás, o clima entre os superiores e nós é de muita fraternidade. Pe. Humberto preparou os quitutes que muito ajudou a relaxar e manter o ambiente alegre. Não tratamos nenhum tema “sério”, apenas conversamos, ouvimos os belos testemunhos do reitor-mor sobre a passagem da urna de Dom Bosco na Ásia e África e rimos muito com as piadas do padre Bregolin. Encerramos com as fotos para lembrança do encontro.
Pela manhã nos debruçamos sobre o estudo apresentado pelo padre Bregolin sobre a disciplina religiosa na Congregação, sobretudo no Cone Sul. Foi um “chá amargo”, um remédio que custa engolir, mas necessário para curar as “feridas internas deste momento da Igreja”(Bento XVI), verdadeira provação no interior da Igreja e da Congregação. A questão da disciplina não diz respeito apenas aos casos de abusos sexuais – pedofilia – mas a fidelidade ao carisma fundacional. Destaco algumas questões que dizem respeito à situação de muitos salesianos, infelizmente:
– Sobre o voto de castidade: os casos de abuso sexuais contra menores, o uso de sites pornográficos e gays, a prática da homossexualidade, a vida conjugal camuflada com filhos inclusive, etc.
– Sobre a obediência: dificuldade de mudança de lugar, apego a cargos de poder (diretor e ecônomo), projetos pessoais, autonomia extrema da comunidade, abandono da comunidade religiosa, sem autorização, etc.
– Sobre a pobreza: excessiva concentração de poder quando um salesiano é diretor-ecônomo, administração desordenada, uso abusivo do dinheiro, sonegação de dinheiro recebido, contas bancárias pessoais sem autorização, desvios de verbas, etc.
Depois da apresentação de um longo documento, padre Bregolin, orientou o trabalho de grupos com três perguntas. No retorno cada secretário expôs o refletido e saíram muitas questões importantes. É muito importante que a disciplina religiosa não seja entendida como controle, medo ou punição, mas orientação da fidelidade criativa. Precisamos melhorar a qualidade de nossas vidas na fraternidade para valorizar cada irmão, corrigir quando necessário, acompanhar os que manifestam dificuldades, curar as feridas, promover a vivência dos conselhos evangélicos, levar a sério o projeto de vida pessoal e comunitário, promover no processo formativo das novas gerações as virtudes da prudência, da sexualidade-afetividade, discernir bem a opção do jovem candidato, favorecer um ambiente sereno, aberto, acolhedor e humano.
Pe. Bregolin enfatizou ainda a necessidade dos diretores serem ajudados a assumir o tema da disciplina religiosa para que eles levem a reflexão aos irmãos. Todos somos co-responsáveis da vida religiosa. Disse ainda que o conselho inspetorial deve manter uma constante revisão da “saúde moral” e religiosa da inspetorial, refletindo sobre o assunto nas reuniões. Deve também avaliar a qualidade da vida nas casas, o estado da formação e da fraternidade. Uma pessoa vive onde é se sente amada, caso contrário, buscará outros meios de relacionamentos. A santidade, portanto, não é feita somente de mística, mas também de ascética – discipulado – sacrifício, disciplina. Não são coisas fáceis, tampouco impossíveis. Atitudes preventivas são importantes para criar fraternidade e atitudes de coerência. Concluiu dizendo que não se deve nomear diretores que tiveram problemas sexuais graves ou manifestam tendências que comprometam a missão.
Pe. Pascual enfatizou ainda que o tema enfrentado nesta manha foi muito importante. Temos questões a serem corrigidas. A disciplina é um caminho para a fidelidade. É bom ter presente que a disciplina provem de discipulado, isto quer dizer, que ser disciplinado é seguir Jesus Cristo. Os abusos e as acusações contra salesianos são muitas e crescem a cada dia. O próximo reitor-mor vai sofrer muito, nos disse ele. A carta 408, publicada nos Atos do Conselho Geral, foi pensada e revisada por advogados para ser realista e coerente com o momento atual. Os problemas estão ai e devem ser levadas em sério. A credibilidade está ligada a fidelidade. É mais fácil destruir 100 anos de trabalho do que construir. É necessário, por tanto, criar a cultura salesiana, nosso jeito de ser e de nos relacionar com os jovens de forma transparente e saber propor a beleza da vida salesiana de maneira que encante os jovens.
Na parte da tarde fomos a um belo passeio até duas grandes cidades: Viña del Mar e Valparaíso. Ficamos encantados com a beleza de ambas cidades. Dom Bosco sonhou com a cidade de Valparaíso na noite de 09 de maio de 1886. Na ocasião ele traçava uma linha missionária entre Valparaíso e Pequim. Um sonho profético que aos poucos se realiza. Ali fomos recebidos no colégio salesiano ao som da banda de música e da alegria dos jovens, professores, funcionários e salesianos. Assim terminamos este dia e constatamos que a fraternidade é o melhor caminho para superar nossas fragilidades. Lembrei-me das palavras de Jesus: “Não tenham medo eu estarei com vocês”.
Questionado por Peter Seewald, na famosa entrevista que deu origem ao livro Luz do Mundo, sobre os desvios da Igreja no seguimento de Jesus Cristo, Bento XVI respondeu:
“Essa é uma das coisas que temos de passar, pela nossa humilhação e para nossa própria humildade. A outra é que, apesar de disso, Ele não a abandona; que a sustem apesar da fraqueza dos homens, que a compõe, nela desperta os santos e através dela cá está. Acredito que há dois sentimentos que se completam: o choque com a mediocridade, com o pecado na Igreja; e a comoção de que Ele não abandona este instrumento, antes atuando com ele, mostrando-se sempre através e dentro da Igreja” (p. 167).