Olá,Zé!
Tivemos muitas divergências. Algumas frontais e de forte embate: sobre animação pastoral, sobre vida religiosa, sobre vida comunitária, sobre testemunho de vida. Outras, com tiradas irônicas e alfinetadas jocosas. Isto é normal num relacionamento vivo. Eu não fui o único a divergir de ti, nem tu foste o único a divergir de mim. Pelo menos não nos relacionamos como água morna, aquela deplorada no Apocalipse e que deriva em vômito amargo.
Recordo tuas duas saídas: na primeira, depois de fazer um curso de Animação Pastoral em Bogotá, relutaste em retornar à vida comunitária salesiana. Não lembro os motivos pelos quais eu te remeti uma longa carta, mostrando as razões de teu esperado retorno, de tua colaboração na caminhada inspetorial, de tua importância como salesiano amazônida. A carta não surtiu logo efeito, pois um longo tempo aconteceu antes do teu esperado retorno. Tentei apressar a decisão, indo visitar teus pais e em tua casa passei um dia. Só depois retornaste.
Passaste pelo Carmo, por Ji-Paraná, pelo CDB-Leste, pela casa inspetorial como Coordenador de Pastoral, pela coordenação e assessoria regional da PJ. Continuaste na especial trilha de colaboração salesiana à Igreja de Manaus: depois do Bento Barlascini, Lourenço Bertolusso, Gennaro e do Bené, tu caminhaste como assessor arquidiocesano da Pastoral da Juventude. Por algum tempo tive a sensação ( e dela, te falei por vezes) que, com tua coordenação, nem sempre caminhamos com a diretividade essencial, mas naquilo que caminhamos, encontramos os sinais de tua maneira dedicada de ser, o ritmo de teu entusiasmo e reflexo de algumas de tuas convicções. Uma vez estivemos mais próximos: foi quando do compromisso nacional da CNP na elaboração do Itinerário de Educação da Fé. Propostas, idéias, intuições partilhei contigo. Foste um dos que mais acolheu e entendeu a minha fixação pelo Roteiro do Caminho de Emaus em Lucas, algo que me persegue desde os tempos do CG 22, em 84. O CG 23 me reacendeu a idéia na mente e no coração. Partilhei contigo e escutaste com atenção e logo depois tu partihaste na Comissão Nacional de Pastoral. A proposta resultante me entusiasmou novamente. O sonho comum nos reaproximou.
Zé, recordas aquele imprevisto, numa viagem para um curso organizado pela PJ nacional? Deveríamos viajar a Goiânia, mas vivemos um imprevisto: enquanto fomos rapidamente tomar um café no barzinho do aeroporto, um casal de idosos, sem querer, viajou levando nossas bagagens de mão e o dinheiro para pagar hospedagem e o curso estava dentro de uma delas. O desespero nos fazia rir. Perdemos o vôo, de madrugada recuperamos as malas e chegamos atrasados ao encontro. A Pastoral da Juventude foi ponto de chegada em algumas vezes e, por vezes, ponto de partida, de distanciamento.
Zé, estava abrindo o e-mail do Pe. Chicão sobre a saúde de alguns irmãos. No momento exato em que lia a notícia sobre a situação crítica de tua saúde, alguém entrou na minha sala e me comunicou teu falecimento.Eu olhava para tela, relia o texto do e-mail sem acreditar no que ouvia. Nem sei bem os motivos, mas de repente percebi que não conseguia ler mais nada e os olhos embaçados de lágrimas. Possivelmente não estávamos assim tão distantes!
De Parintins, escutei muitos relatos de conhecidos meus falando sobre teu trabalho: testemunhos entusiastas sobre sua dedicação à PJ na Diocese, nas comunidades interioranas, no Regional; as incontáveis visitas aos grupos de jovens, o curso de mariologia (numa cidade que tem na Virgem do Carmo uma referência também de identidade cultural).
Zé, na Missa de teu corpo presente, rezando por ti, estavam 17 padres e Dom Luis Soares concelebrando e Dom Luis Giuliano presidindo. Na homilia do Bispo de Parintins, com quem conviveste nos últimos meses, ouvimos, sem poder contar, expressões como “dedicação aos jovens, trabalhos com os jovens, interesse pelos jovens, estudos da situação juvenil, paciência de escutar os jovens, carisma de Dom Bosco, carisma salesiano”. Ouvimos também a notícia da retomada de tua vida pessoal de oração com novo dinamismo, do empenho celebrativo cotidiano. Teu renascimento, teu relançamento, o sonho do primeiro amor retomado, passos iniciais de tua próxima ressurreição.
Na assembléia celebrativa de copo presente, além de amigos e membros da Família Salesiana, jovens da PJ com quem trabalhaste; os ausentes te velaram o corpo na noite anterior de velório. Morreste fora da casa salesiana, mas dentro da causa salesiana. Adoeceste longe da Inspetoria, mas perto dos jovens. E ainda deixas uma lacuna nas fileiras dos salesianos paraenses.
Zé, no ato penitencial da Missa de teu corpo presente, cantamos “Perdão, Senhor, tantos erros cometi!”. Nisto, nós dois fomos totalmente irmãos e concordes!
Pe. Bené