O religioso elementar
Li com muita atenção e gosto a palestra que Paulo Suess proferiu no 13º. Encontro Nacional de Presbíteros. Ele fez a memória da caminha dos ENPS, sua origem e natureza ao longo desses 25 anos, e elencou algumas questões ousadas que desafiam a identidade presbiteral hoje. A partir da leitura veio-me à mente a realidade da vida religiosa e pensei com meus botões sobre o nosso ser elementar quanto pessoa consagrada. O teólogo Suess diz que, entre outras verdades, que o presbítero elementar é despojado, espiritualmente competente e místico. Considero uma leitura interessante e ousada de um ministério que ao longo dos séculos foi marcado por grandes transformações e que hoje se debate entre o antigo e novo, sem muita clareza, às vezes.
Pois bem. Pensei como presbítero religioso salesiano. Busquei nas minhas formas de viver a missão a clareza para ser elementar. Evidentemente que o elementar é o básico, ou seja, no dizer de Suess, “é ter bom senso… ter o dom de priorizar as tarefas e de ‘elementarizar’ a fé no meio dos desacreditados e dos que não acreditam em si mesmos; o dom de dizer com poucas palavras e gestos elementares a razão de sua esperança aos desesperados; o dom e a força de abraçar aquela parte da humanidade que o mundo competitivo considera descartável… é ser bem relacionado com as pessoas, com Deus e com a Igreja” (Suess, 13º. ENP, 3 e 4/02/2010).
Que significa, desde esta provocação, ser religioso elementar ? Parece-me necessário recuperar três questões que estiveram sempre na base da vida religiosa: a radicalidade no seguimento de Jesus Cristo; a tensão sadia entre a contemplação e a ação; a missão entre os mais pobres. São questões transversais que mexem com a mais intima realidade da pessoa chamada por Deus para uma missão grande, mas sempre como servo inútil e fiel. O pai do monaquismo Oriental, Santo Antão, o egipciano, e o pai do monaquismo Ocidental São Bento, souberam unir muito bem estes três valores essenciais. Acredito também, mas é um caso ainda a ser aprofundado, que Dom Bosco assimilou muito bem estes valores na “escola presbiteral” do século dezenove.
A radicalidade no seguimento de Jesus Cristo não é, e nem pode ser compreendida como um romantismo. Trata-se de uma forma cristã de rompimento com tudo aquilo que entra na contra via do Evangelho; por isso, a vida de um religioso/a será sempre contracultural, se quiser ser radical. Não se trata de fugir do mundo como se ele fosse uma ameaça, mas estar no mundo, sem pertencer a ele. É o desafio de aceitar a novidade, por exemplo, de uma nova história marcada pelas mídias (Bento XVI, mensagem para o 44º. Dia Mundial das comunicações 2010); entretanto, não sucumbir nelas, mas ser fermento que liga, faz crescer e dá forma à realidade, transformando-a desde dentro. Ser discípulo na capacidade de contemplar a Palavra do mestre Jesus e alimentar a vida no pão partido para a vida do mundo. É uma radicalidade que exige o despojamento de honrarias, famas e o primeiro lugar, para servir sem pretensões de poder. Num mundo marcado pelo sucesso e pela estética, ser radicalmente elementar é, na linguagem de São Paulo, uma loucura!
A tensão sadia entre a contemplação e a ação é outra exigência do religioso elementar. È cada vez mais difícil entrar no próprio quarto interior para estar sozinho porque os ruídos são enormes. Os pensamentos invadem nossas “celas”. Geram estímulos dentro de nós e nos fazem pressa fácil da agenda, do celular, da TV, do twinter, dos chats, da boa tecnologia que se não usadas para a pastoral nos escravizam e roubam nosso silêncio precioso. Agir com urgência parece ser a palavra de ordem hoje, e bem recordou Paulo Suess, na conferência que me inspira este artigo. Tudo é urgente. Parece que vivemos o frenético fim dos tempos e queremos resolver tudo ontem porque hoje é tarde demais. Com isto estamos perdendo a capacidade de contemplar a vida que passa e não sabemos mais agir no encontro com as pessoas, no olhar nos olhos dos irmãos, no estar juntos para sorrir e jogar conversa fora, no ser fraterno na comunidade. É uma vida religiosa executiva perdida no muito fazer sem organização e harmonia. É preciso, no entanto, contemplar no agir e agir no contemplar!
A missão entre os mais pobres é penosa para muitos de nós religiosos. Sair das comodidades de uma sociedade do consumo, da beleza, do lazer e da competitividade estimulante parece à negação do próprio direito de ser gente. È uma vida religiosa cada vez mais invisível aos olhos do povo. Se perguntamos hoje a muitas crianças e jovens o que são os religiosos, com certeza, muitos não saberão o que dizer porque não somos visíveis. È uma ilusão pensar que nossas obras revelam o que somos. Elas refletem um imaginário do poder religioso, permanecem código, mas precisam ser descodificadas. Se, não somos presença elementar jamais poderemos ter nossos códigos decifráveis. Então, nosso lugar no meio dos pobres fica comprometido. Viver com os pobres e ser pobre é uma contracultura na insaciável sociedade do bem estar. Entretanto, quem disse que o simples fato de professar a pobreza como virtude e voto nos faz pobres? O pobre hoje vive a insegurança, o medo da morte que o espreita nas esquinas, a fome que marca os rostos de tantas crianças e jovens, a precária assistência da saúde pública que deixa milhares nos corredores dos hospitais e intermináveis filas nos postos de saúde. Ser evangelicamente pobre não é um romance, um melodrama ou ato heróico, mas a consequente adesão ao projeto contracultural de Jesus de Nazaré.
Ser um religioso elementar é recuperar desde o inicio do processo formativo a simplicidade da vida religiosa, a gratidão da resposta diante da gratuidade de Deus Pai, o despojamento de si em vista da missão carismática do Instituto dando a própria contribuição efetiva e afetiva, ser competente desde a própria espiritualidade para que o outro creia, ser criativo e dialogante, ser homem e mulher de Deus no deserto do agnosticismo e da especulação do mercado religioso do deus EU-CORPO.