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Salvos na esperança: um diálogo moderno.

A exemplo das cumbres de G-8, G-12 e dos Fóruns sociais e teológicos, o papa Bento convocou um fórum de nível internacional, de diversas épocas da história, para um diálogo construtivo na busca de dar forma à colcha de retalhos que se transformou a humanidade no atual contexto de relativismo e materialismo sobre o sentido da vida humana a partir de uma pergunta fundamental: em que temos esperança?

Bento XVI desenvolveu assim um grande diálogo na sua segunda encíclica. Para mim é uma novidade, pois percebo nas linhas da carta, um chamado ao debate, sem perder as convicções, mas aberto ao diferente. Um debate que não se limitou ao tempo presente, nem ao passado e muito menos um melancólico futuro, mas um diálogo a partir de questões centrais da vida humana, como: significado para viver, liberdade, ética, justiça, amor, perdão, sofrimento, agir humano, destino final com a possibilidade de um juízo universal e pessoal, inferno e purgatório. O papa não teve receio de pedir aos seus convidados que dessem razão da própria crença ou ideologia. Mas ele não se omitiu de dizer o que pensa, mesmo, às vezes, tendo que intervir nas discussões no fórum. Como todo evento que mexe com tendências ideológicas este fórum de Bento não se faz sem gerar conflitos. Isto é compreensível. Contudo, Bento não defende uma ideologia meramente humana, ele está mergulhado no oceano das tradições bíblicas e humanas da historia da Igreja, e fala no fórum desde este oceano.

Quais foram os chamados à mesa do dialogo? Um convidado foi Paulo de Tarso, aquele famoso fariseu, formado na escola do rabino Gamaliel, que passou pelo “inferno” da conversão na cegueira, e passou a transmitir a boa-nova do Reino de Deus; outra famosa convidada foi a africana Bem-aventurada Josefina Bakita, personagem do século XIX, escrava e depois cristã, passou também ela pelo sofrimento, mas encontrou Deus ao se sentir amada verdadeiramente por um patrão cristão; Santo Ambrosio, um dos Doutores da Igreja antiga, chamado ao episcopado pelo povo, enfrentou as controvérsias teológicas com Ariano e com seus estudos bíblicos e catequeses transformou a diocese de Milão; Agostinho de Hipona, um aventureiro inconformado com a própria vida. Sem rumo e sem respostas convincentes percorreu varias ideologias até encontrar o sentido pleno de suas buscas: Jesus Cristo; Um teólogo famoso dos tempos modernos, Henry de Lubac, que sustenta a salvação como obra comunitária; Bernardo de Claraval, monge e reformador da vida religiosa; Francisco Bacon filósofo e defensor de uma nova ordem ética; Emanuel Kant filósofo do século XVIII, que deu luz à Revolução Francesa; Karl Marx filósofo que deu eco a Revolução Industrial do século XIX criando o reino dos homens – materialismo; Frederico Engels, idealizador das idéias de Marx; Tedoro W. Adorno, da escola de Francoforte, que formulou a ideologia da fé e progresso; São Maximo o Confessor, personagem do 6o. século, que defendeu a coerência entre o amor a Deus e ao próximo; Cardeal François Xavier Nguyen Van Thuan, vietnamita que passou 13 anos preso e deixou grandes ensinamentos sobre a oração união com Deus; o mártir vietnamita Paulo Leo-Bao-Thin, século XIX, que fala do sofrimento como “inferno”, mas não perde a esperança; Max Horkheiner, da escola de Francoforte, critico do ateísmo e do teísmo; Dostoevskij, com seu romance “os irmãos Karamazov”; O filósofo Platão; Os evangelistas Lucas e João; Maria, a “estrela do mar”.

É uma mesa complexa. Com tendências de todos os tipos. Desde o mais arraigado ateu ao mais eloqüente dos cristãos. Contudo, Bento, que se coloca como moderador deste fórum, aproveita a oportunidade para chamar o homem e a mulher de hoje a sentar também à mesa, imagino que nas cabeceiras, porque são eles os principais interessados em escutar e aprofundar as questões que dizem respeito ao sentido da vida hoje. O papa discorre de forma simples e profunda nas questões teológicas modernas. O cristão de hoje não tem dificuldade de compreender o diálogo desta encíclica. Por isso Bento convoca todos para o debate.

A discussão começa quando Bento pergunta sobre o sentido da esperança. Imediatamente os participantes são chamados a seguir a trilha bíblica. A partir do Novo Testamento se fundamenta a esperança na mudança que ela pode produzir em nossas vidas. Bakita chama atenção de todos sobre sua própria vida e como passou do sofrimento da escravidão à fé a partir do testemunho de alguém que vivia intensamente a crença professada. A fé não é algo meramente terrena, mas aponta para algo mais. Este algo mais é que não nos parece tão obvio assim. A questão emergente parece levar a todos a crer que a vida eterna, salvação, é um dado isolado do individuo. Neste momento o teólogo Henry de Lubac discursa afirmando que nossa fé na salvação encontra seu verdadeiro significado na realidade comunitária. Agostinho argumenta também que a salvação que buscamos, mesmo não sabendo totalmente o que seja e onde se encontra, se firma no comunitário.

Mas a técnica tem tudo haver com a felicidade, afirma Bacon. Nela o homem encontra o sentido absoluto. É com o progresso que chegamos a total liberdade e expressão plena da razão. Aqui encontram eco os ideólogos da revolução francesa e industrial. Kant, então, defende que a liberdade de uma fé convencional e eclesiástica é o salto para o reino definitivo aqui na terra que supera toda escravidão da religião. Marx também fala neste momento mostrando que com o fim da classe burguesa e dominante, instaurou-se a verdadeira felicidade e salvação no reino terrestre. Bento se pronuncia dizendo que todas essas tentativas de reino terrestre criaram o materialismo, enterrando as aspirações de vida e significado. A negação de Deus gerou a negação da esperança, pois nivelou a um simples dado humano: a esperança seria o progresso. Bento ainda diz que a liberdade não está condiciona ao tempo e que cada geração tem o direito de criar novas convicções da liberdade. Nem a ciência nem as aparentes vitórias humanas nos libertam. Só Deus pode ser a única e real esperança do ser humano. Os dois convidados do século XXI perguntam: “Mas a fé cristã transforma e sustenta a nossa vida?” Evidentemente que sim, afirma Bento, desde o batismo nossa vida é configurada a Jesus, por isso a fé nos transforma; Ambrosio acrescenta idéias ao debate dizendo que nem a morte em si é causa de perda, pois nela renascemos. Agostinho sustenta a tese de que o ser humano busca algo, e se sente angustiado porque não encontra de imediato um sentido pleno, mas o que poderia ser passageiro se torna eterno, quer dizer, a totalidade que desejamos no agir humano. O debate esquentou.

Para ilustrar esta questão da descoberta de Deus como núcleo da esperança Bento convida a todos a refletir a partir da oração, do sofrimento e do agir, como lugares de exercício de esperança, diante do ateísmo e do materialismo criado pela busca de sentido na razão e na ciência. A oração tem como força o vencer o isolamento do ser humano. Então, o cardeal Van Thuan dá valioso testemunho de seus 13 anos preso. A oração mental foi sua salvação e felicidade, pois nela ele descobria a força para continuar lúcido; despertava nele a força de um desejo de vida que não se limita às grades da prisão. Na oração ele sentia uma purificação profunda da alma, capaz até de perdoar seus algozes. Podemos ate lutar contra o sofrimento, as doenças, mas nunca elimina-los. É preciso amadurecer para o sofrimento, dando sentido de vida a ele. Também o mártir Paulo Le-Bao-Thin nos fala desde a prisão e nos diz que aquele “inferno” não produzia nele nem um tipo de isolamento de Deus, mas o unia profundamente aos demais. Assim como Cristo desceu aos infernos e de lá trouxe os mortos à luz, também ele vivia as profundezas do inferno para sair vitorioso à luz que salvação e felicidade. Então, Bernardo de Claraval, reassume sua tese de que Deus se compadece de nós, pois ele mesmo assumiu a natureza humana e sofreu nela sem omitir-se nada.

Neste momento entra em jogo a questão do juízo final. A Igreja sempre acreditou que haverá um juízo. O dia em que todos seremos chamados diante de Deus a responder por nossos atos. Os teólogos da escola de Francoforte defendem que a justiça divina não permitirá que maus e bons comam na mesma mesa. Existe uma justiça e somente Deus pode nos dá totalmente tal justiça. Platão, então diz que as almas ficarão nuas diante do juiz, ou seja, tudo será revelado até os mais íntimos desejos. Bento recorda a todos que o judaísmo antigo defende um estagio intermediário entre a felicidade plena e a infelicidade, o purgatório, é ainda uma condição de purificação, antes da morte eterna, o inferno. É na paixão de Cristo, afirma Bento, que o ser humano foi queimado e purificado. A dor desta salvação é a nossa alegria eterna. Por tanto, rezar pelos mortos tem sentido desde que seja minha solidariedade com aqueles que morrem para que sejam purificados. Bento também, diante do ateísmo, questiona a oportuna necessidade de voltarmos a valorizar as canseiras cotidianas oferecendo-as pelo bem dos outros.

No final do fórum não temos uma verdade absoluta, mas uma chave de leitura da esperança. Os espaços de dialogo devem sempre existir, mas não se trata de mutilar diferenças, mas subsistir nelas. A negação da presença de Deus colabora na prática da injustiça como se não houvesse nada mais além desta vida. Por isso, Bento, faz uma longa oração chamando Maria, a “estrela do mar”, o farol que nos ilumina até o encontro com aquele que é o sentido último do nosso esperar e amar.

Para mim a encíclica é sugestiva e se coloca na trilha da Deus Carita Est porque tudo passa, mas a caridade não passa, e Deus no seu amor mais profundo nunca nos abandona, eis a esperança dos mártires de ontem e de hoje. Eis a esperança de Doroth Stang, de Dom Cappio e de tantos outros ameaçados e marcados para morrer neste Brasil. Por quê eles não temem a morte? Porque a morte não cala os justos e sim os injustos. Serão os ímpios a se esconderem, a fugirem da justiça, a viverem sob a dor do inferno. Para o justo Deus será seu juiz compassivo. Numa sociedade que perde o sentido da vida e quer apagar Deus do cotidiano. A encíclica é um convite a repensar nossas esperanças. Não basta esperar, mas viver em função do sentido pleno de nossa espera. É preciso que a pessoa humana se auto-transcenda para poder encontrar o Deus sempre atual e sempre eterno. Ele desceu ao interior do inferno, mas nos mostrou o caminho da luz.

Para quem diz que Bento é retrogrado em mencionar o juízo final, purgatório e inferno, eu digo: é que tememos a verdade. E a verdade é que Deus existe e no fundo do sacrário do nosso coração sabemos que nada passa despercebido do amor de Deus, nem a injustiça nem a justiça. E como disse Bento na fazenda esperança aos narcotraficantes, “um dia vocês serão chamados a prestar contas a Deus”; este será o juízo deles que, no purgatório no qual vivem, não deixarão de experimentar a morte eterna.

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