Por P João da Silva Mendonça –
O principal objetivo da Quaresma é a conversão, “rasgar o coração”, chegar à fonte da vida passando pelo deserto das tentações. Por sua vez, a Campanha da Fraternidade (CF) tem como meta conscientizar sobre uma questão emergente, neste ano a superação da violência, para alcançar a paz e a justiça à luz da Palavra de Deus. Portanto, Quaresma e CF não se negam nem podem se sobrepor. No entanto, com a velocidade do tempo ambas podem ficar obscurecidas ou, pior ainda, a Quaresma pode passar até despercebida diante do apelo da CF.
Um pouco de história. Desde 1962 a CF surgiu como uma iniciativa da Cáritas para arrecadar fundos para atividades assistenciais e evangelizadoras. No decorrer do tempo ela assumiu variadas questões: num primeiro momento, a CF acompanhou a renovação conciliar com os temas voltados para a Igreja católica no Brasil (1964-1972); depois começou uma nova etapa com a preocupação sobre a realidade social (1973-1984); com o fim da ditadura, os temas se voltaram para as situações existenciais do povo (1985-2017), inclusive com Campanhas ecumênicas. Falta, no meu modo de ver, a etapa da síntese entre os temas de renovação eclesial e as questões sociais, senão corremos o risco de fazer o trabalho de uma ONG em busca de soluções para questões emergentes esquecendo-nos das urgências da evangelização.
Portanto, CF e Quaresma se tocam em pontos muito fortes, por exemplo:
1. O apelo a um processo de mudança de mentalidade que resgate a sociedade da indiferença, na qual vamos
afundando cada vez mais e totalmente desorientados “sem sacerdotes e sem profetas”;
- O resgate do sentido da vida a partir da novidade do Evangelho, a boa nova da fonte de água viva, na qual podemos encontrar as razões mais profundas para continuar fieis na aliança de Deus conosco;
- A solidariedade e o esforço do diálogo ecumênico para vencer as diferenças e buscar a essencialidade do pão da Palavra no seguimento profético e missionário de Jesus cristo, superando as divisões, os preconceitos, a indiferença e a injustiça;
Acredito também que a oração, o jejum e a caridade ativa, pilares da Quaresma, como muito bem nos recordou papa Francisco na mensagem deste ano, reforçam o empenho da CF:
– A Oração pessoal e comunitária nos ajuda a descobrir as “mentiras secretas” que alimentam nossos vícios, vinganças, ciúmes, invejas, ódio. Estas mentiras alimentam a violência dentro de nossas famílias, comunidades e sociedade;
– A caridade ativa é saber partilhar, saber ver o outro com o olhar de Deus para formar “um estilo de vida”, um testemunho verdadeiro de comunhão. Não se trata de uma esmola para endurecer a indiferença, mas a certeza da Providência de Deus;
– O jejum, como a oração e a caridade, é uma forma penitencial que também perdoa os pecados, portanto, este jejum quebra as “forças da violência”, desarma as armadilhas do ódio, tornando-nos mais atentos à fidelidade a Deus;
Este caminho no deserto das tentações à Páscoa é um verdadeiro retiro no cotidiano e nos ajudará a mergulhar no Mistério da alegria pascal para assim reconhecer a largura, a profundidade e a altura do amor de cristo por nós. Que as cinzas recebidas, como sinal de penitencia, com o traje do arrependimento, para recordar que “somos pó e voltaremos ao pó”, resgate um princípio fundamental: somos todos irmãos e irmãs (Mt 23,8).