“Os santos sabem rir” é o título de um artigo do padre Ferdinando Castelli, jesuíta, docente de Literatura e Cristianismo na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, publicado no famoso jornal católico L’Osservatore Romano. O texto é uma síntese do seu livro recentemente publicado na Itália “All´scita del tunnel (A saída do túnel), uma panorâmica crítico-religiosa da literatura na atualidade publicado pela Editora Vaticana, 2009, 214 páginas.
O texto é provocador e ao mesmo tempo estimulante, pois nos convida inevitavelmente à reflexão sobre a gestão do nosso humor. Profundamente existencial, é um tema que muito a ver com a espiritualidade salesiana gerado de direto impacto às pessoas com as quais convivemos e trabalhamos.
Na literatura da vida, em nosso cotidiano cheio de tensões e pressões, somos convidados a não esquecer a sua dimensão cômica, caso contrário, nossa existência se transforma num drama. A literatura e o cinema pós-moderno têm dado muita ênfase à dimensão agônica da vida presente em todas as dimensões humanas.
Se o cinema e a literatura exploram a caducidade humana que se manifesta no terror, no medo, na ansiedade, na insegurança, no conflito, no vazio, no abandono… lembremo-nos de que, enquanto cristãos, somos “semeadores da Esperança”, do otimismo, da alegria… explorando sempre o lado positivo da vida… Somos “Filhos da Luz” no dizer de Paulo (cf. Ef 5, 8; 1Ts 5,5).
A espiritualidade cristã é cômica, pois, continuamente, nos convida a transcender os dramas de nossas cruzes de cada dia. Transcender a cruz, não é negá-la e nem renunciá-la, mas aprofundar o seu significado esperando dinamicamente pelo “depois”: a glória, a vitória, a superação. Deus, no dizer de Castelli, é cômico, pois nos convida a colher em cada drama da nossa existência um sinal do seu Amor para conosco do qual nasce a Esperança. Seguem algumas pinceladas do texto e boa reflexão.
“Somos cômicos!”
“É indubitável que o humorismo é um meio real para nos estabelecer a serenidade. Ele faz parte da sabedoria, dádiva do Espírito Santo; ocupa um lugar muito importante na Vida Religiosa, aliás, é o sal da vida, em um certo sentido, é o sal da vida religiosa que a preserva de toda corrupção” (p.13).
Na história da Igreja, grandes santos zelaram por essa dimensão humana: Santa Teresa de Ávila, São Francisco de Sales, São Felipe Neri, Tomás Moro, Inácio de Loyola, São João Bosco, papa João XXIII (cf. p. 3).
Mas existem vários tipos de humorismo: o irônico, o corrosivo (sarcástico), o iluminado, o bizarro… Nós cristãos somos convidados a cultivar o “senso de humor”: capacidade de captar os aspectos divertidos e contraditórios da vida rindo deles com compreensão benévola, com um olhar superior, que transcendente a realidade dramática… O bom humorista é aquele que nos convida a captar aspectos diferentes da realidade que nos faz vê-la a partir de outro ponto de vida. Isso colabora para uma visão mais serena da realidade, do drama colhe situações divertidas que envolve as pessoas numa situação irmanando-as (cf. p.13).
“O cristianismo e o humorismo se encontram em perfeita harmonia, embora à primeira vista possa parecer verdade o contrário” (p.13).
No mistério da encarnação Deus assume a natureza humana, se torna como nós: sofre, passa fome, sede, a solidão, a enfermidade, o calor, o frio; se submete aos caprichos dos homens… no entanto, aí Deus manifesta seu amor infinito. É a lei dos contrastes, típica do humorismo! (p.13). O que é louco no mundo, Deus escolheu para confundir os sábios… (cf. 1Cor 1,27-28).
“Concebido em chave cristã, o humorismo não fecha os olhos às fealdades e misérias da vida, nem se coloca, como acontece no caso da ironia, da sátira e da argúcia, diante delas como juiz “(p.13).
“No humorista ocultam-se uma extraordinária força de suportação e uma irrefreável liberdade do ser; o seu reino é para além dos contrastes terrenos e nenhuma avaliação fria consegue deprimi-lo” (p.13).
“O humorismo cristão é um novo modo de ser e de sentir: transforma o pessimismo em audácia, o desprezo em piedade, a irritação dos limites em fecunda aceitação” (p.13). Essa atitude deriva da grande confiança em Deus que conhece como fomos formados: “o pó é a nossa condição” (cf. Sl 103 (102),14).
Riso não significa alegria… Cuidado com o riso sem alegria!
“O humorismo consegue desdramatizar os acontecimentos e põe em evidência a relatividade de cada coisa” (p.14).
“O sentido de insatisfação e de amargura, de que muitos de nós somos vítimas, deriva do fato de que o mundo não caminha como nós gostaríamos e que a Igreja não pensa como queríamos que pensasse” (p.14).
“No espaço criado pelo humorismo, as tensões diminuem e muitas coisas são vistas melhor e encontram a sua colocação apropriada” (p.14).
“… pessoas carrancudas, zangadas, tensas, tristes, nervosas e até histéricas… fazem de cada problema uma tragédia, de cada novidade uma heresia, de cada crítica uma calamidade e de cada protesto uma revolução” (p.14).
“O oposto dos humoristas é o irritado. Desprovido do sentido do relativo, leva tudo a sério (…); esquecendo-se da substancial debilidade humana não sabe compadecer-se; o seu sorriso, quando existe, é forçado; a sua presença não suscita confiança nem simpatia (…); quando fracassa um de seus projetos ou quando os amigos o desiludem, abandona-se a uma amargura que lhe envenena a existência” (p.14).
Há uma estreita relação entre senso de humor e espiritualidade cristã!
Para concluir relembremo-nos do que dizia Santa Teresa D´Avila no que se refere aos momentos difíceis da vida: “Nada te perturbe, Nada te espante. Tudo passa, só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem a Deus, nada lhe falta. Só Deus basta”.
CASTELLI, Ferdinando. Os santos sabem rir. In: L´OSSERVATORE ROMANO, Edição semanal. Ano XL, número 37 (2.073), sábado 12 de Setembro de 2009. pag. 13-14.