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Margens Estreitas

Um pensador do século XX afirmava a respeito das turbas e fúrias revolucionárias: “todos reclamam da violência  das águas que avançam e destroem o que encontram pela frente, mas ninguém reclama da  violência das margens estreitas que as comprimem”. Esta é a fonte de um conhecido verso de uma canto de Comunhão que uma então religiosa escreveu“muito tempo não dura a verdade nesta margens estreitas demais”. Lembrei então o fenômeno natural do estreito de Breves no Pará: ali a velocidade da correnteza é excepcional.Uma reação comum nestes dias de Manifestações é dizer que aceitamos as reivindicações pois elas são parte da democracia, mas que repudiamos os atos de vandalismo. Por causa disto ouvi pessoas chamar as Manifestações como “aquela baderna”.

Voltemos então à violência das margens estreitas;

Se não tem nome de violência como denominar aquelas filas de pessoas que dormem no sereno da madrugada para conseguir uma ficha de consulta e ao chegar à porta de entrada recebem o aviso: “acabaram as fichas!?”

Se não tem nome de violência, como denominar aquele processo pelo qual uma pessoa do povo fica esperando até três meses para fizer um exame médico mesmo suspeita de uma doença maligna?

Se não tem nome de violência, como denominar a situação dos trabalhadores que, ao retornar para suas casas, ficam horas e horas esperando uma condução e ficam vendo que ela passa lotada e sem condição de parar?

Se não pode ser chamada de violência, como denominar a atitude dos delegados de polícia que, diante de uma caso de estupro, ainda perguntam à vitima se ela não é culpada por ter excitado o agressor?

Se não tem nome de violência, como chamar a situação de milhares de escolas sem carteiras, sem biblioteca, com os sanitários destruídos ou entupidos, salas superaquecidas sem ar condicionado nem ventilador?

Se não é violência, como denominar que milhares de brasileiros ainda hoje vivam sem energia no seu lar, num pais que é (ou foi?) a quinta economia do mundo?

Se não é violência como chamar o fato de Brasília manter um cinturão de cidades satélites, muitas delas quase monturos e se orgulhar de ter construído o estádio mais caro do mundo?

É ou não é violência o fato de um deputado ou senador ter um mandato de 4 ou 8 anos e se aposentar com salários altíssimos, quando a população passa 25 ou 30 anos descontando para uma mísera aposentadoria?

Se não é violência como denominar o fato de o município de Manaus concentrar 80%das riquezas do Estado do Amazonas, deixando a grande maioria dos municípios na vida desvalida?

A “baderna” violenta dos poderosos e gananciosos nunca é repudiada, apesar de acontecer todos os dias.

É assim que funciona a violência das margens estreitas do rio violento dos grandes,das enxurradas da corrupção, do poderio do agronegócio, da cultura da corrupção: funciona tão cotidianamente que se torna natural.

Temos então a “gota d’agua” que Chico Buarque musicou.

Vivemos agora a plenitude do ditado popular: “Quem semeia vento, colhe tempestade”. A população esgotou a capacidade de sofrer passivamente. O chicote de feitor exorbitou.

Nesta explosão onde encontramos civismo legítimo e baderna vandálica , sinto que o clamor apresenta omissões graves que podem comprometê-lo.  Vi muitas faixas, ouvi gritos contra o aumento do valor dos ônibus, mas nada ouvi ou li contra a invasão impune e agressiva das terras indígenas, contra o trabalho escravo, contra a epidemias de violência sexual de crianças, contra a vergonhosa agressão aos idosos, contra as covardes violências às mulheres,contra o comércio da pornografia infantil na internet, contra o massacre e extermínio de jovens, contra a crescente desqualificação das estudantes em saberes básicos como linguagem e matemática. Pode até que aconteceram e eu não tenha visto ou ouvido. Mas, se houve, foi um grito murcho.  Como “transformar o Brasil” se muitos manifestantes da classe média e média altae que não andam de ônibus esquecem agressõ estão gritantes? Sinto dificuldade de entender que se grite contra algumas injustiças notórias e se silencie outras tantas injustiças gritantes que são perdurantes, não nas grandes avenidas do pós mas em todos os becos e esgotos onde se refugiam milhares de pessoas desvalidas.

Qual é o horizonte final destas Manifestações? O ‘Movimento Passe Livre’ – MPL declarou que já se retirou das Manifestações. Se a grande causa foi somente a redução de míseros cinco centavos no preço da passagem, temo que as violências contra o ser humano continuem banalizadas.

Nas omissões deste grande grito cívico, as hordas descontroladas se relançam ao caos do quebra-quebra e dos saques que tanto horror causam. Mas onde está o grande horror diante das mutilações cotidianas do ser humano?

Se “as margens continuarem estreitas demais”,como coisa banal na vida brasileira,as manifestações poderão até arrefecer, mas o coração do Brasil continuará implodindo. Não se fica impune ao bater na face humana de Deus.

Pe. Bené

1 comentário em “Margens Estreitas”

  1. Muito interessante Pe. Bené os exemplos de violência citados pelo senhor, interessante mais ainda todos eles na órbita do secularismo. Mas seria corojoso colocar o dedo na própria ferida, como corajosamente e decentemente fez o grande Papa Francisco. Sobretudo porque, em que pese não manifestado diretamente, mas o povo nas ruas se tivesse oportunidade de externarem sua indignação, tristeza e insatisfação com o tratamento recebido por alguns padres ditadores e não servidores da Igreja, fariam o mesmo. Não seria violência também um padre que cria guetos numa paróquia, segregando, desrespeitando uns, marginalizando outros? Não seria violência o fato de do seio da comunidade, um dos seus participantes, aquele que curiosamente era o braço direito de um padre que criou a missa do dia 13, ser investigado por envolvimento em desvio de dinheiro público que alimentava a corrupção, inclusive com fortes indícios de envolvido com tráfico de drogas? O senhor mencionou o fato de o delegado de polícia fazer peguntas. Não sei se o senhor sabe, ou entende de direito penal, de procedimento investigatório, mas as perguntas feitas pelo delegado não são ilegais ou imorais, ou muito menos violentas como o senhor, talvez por desconhecimento da atividade persecutória penal investigativa, tentou sugerir. Em todo caso, como operador do direito e como cristão católico que ama a Igreja, o Papa e a comunidade, embora tenha sido vítima de injustiças cometidas por quem aqui esteve em seu nome, me caberia esclarecer. Feitas essas ressalvas acima, reconheço serem oportunas e altamente válidas suas ponderações, ainda que incompletas, mas reconhecidamente legítimas. Um fraterno abraço a você a todos dessa maravilhosa Inspetoria. Que o Senhor continue abençoando todos os salesianos, inclusive aqueles que deram sua vida e seu suor pela causa do reino nestas terras amazônidas.

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