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Notícias

Estréia do Reitor-Mor para 2005

“Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, … a fim de apresentá-la toda bela, sem mancha nem ruga ou qualquer reparo, mas santa e sem defeito” (Ef 5,25.27).
Por ocasião do 40º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II, à luz da Lumen Gentium e da Gaudium et Spes, que nos fizeram ver a Igreja como Mistério, Povo de Deus, Corpo de Cristo, Mãe dos que crêem, Serva do mundo,
conscientes de que “é missão da Igreja refletir a luz de Cristo em cada época da história e fazer resplandecer o rosto de Cristo diante das gerações do novo milênio” (NMI 16), como Família Salesiana nos comprometemos a Rejuvenescer o rosto da Igreja, que é a Mãe da nossa fé.

Houve um homem mandado por Deus, cujo nome era Ângelo, ou melhor, cujo nome era João. Sim, João XXIII, o papa bom que, impelido pelo Espírito, um dia se levantou e quis uma nova primavera para a Igreja. Com um gesto inesperado, não só lhe abriu as janelas, mas escancarou-lhe as portas, para que nela entrasse o Espírito. O Concílio Vaticano II, por ele convocado, foi como um ciclone que penetrou improvisamente num ambiente fechado e bloqueado, um “vento forte” (At 2,2), como no dia de Pentecostes no Cenáculo.
Por ocasião do 40º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II, à luz da Lumen Gentium e da Gaudium et Spes, que nos fizeram ver a Igreja como Mistério, Povo de Deus, Corpo de Cristo, Mãe dos que crêem, Serva do mundo, como Família Salesiana estamos conscientes de que “é missão da Igreja refletir a luz de Cristo em cada época da história e fazer resplandecer o rosto de Cristo diante das gerações do novo milênio” (NMI 16). Por isso, revivendo o espírito daquele acontecimento extraordinário, comprometemo-nos a

“Rejuvenescer o rosto da Igreja, que é a Mãe da nossa fé”.

Rejuvenescer a Igreja: dom e tarefa.

Não podíamos esquecer, agradecidos, o aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II, que foi um grande acontecimento do Espírito, um verdadeiro Pentecostes para a Igreja universal. Já o padre Egídio Viganò, meu predecessor, havia lembrado que ele seria nossa carta de navegação para o terceiro milênio. Hoje é tarefa nossa assumir e fazer frutificar o dinamismo vindo do Concílio, uma autêntica rajada de água fresca que encheu de Espírito Santo os pulmões da Igreja, em cuja contínua renovação nos comprometemos em colaborar. As Constituições conciliares Lumen Gentim e Gaudium et Spes, enriquecidas pela recente reflexão da Novo Millenio Ineunte, serão o nosso ponto de referência.
Diversamente do que aconteceu com a estréia anterior, este ano ela não será acompanhada de uma proposta pastoral. Dizia, então, que a proposta nos haveria de acompanhar por alguns anos. Não era, de fato, realista pensar em concretizar em breve tempo os compromissos que nela se expunham. Por isso, ela continua a ser, também este ano, o horizonte e o ponto de referência das iniciativas pastorais a serem realizadas nos diversos lugares onde a Congregação e a Família Salesiana prestam seu serviço à Igreja e aos jovens. Isso vale ainda mais para o compromisso relativo à santidade juvenil, que encontra na proposta pastoral o seu centro e na estréia atual um grande estímulo.

Rejuvenescer a Igreja é um dom sublime e um compromisso exigente. Mas que significa rejuvenescer? Começo pela consideração negativa do que não significa. Não se trata de fazer uma operação de lifting ou questão de cosméticos: isso se adaptaria bem à atual cultura consumista do efêmero e da imagem, não, porém, à força renovadora do Espírito. Também não se limita a fazer algumas mudanças exteriores de conveniência ou alguns retoques superficiais de adaptação, necessários para fazer a Igreja parecer atualizada ante as modas dos tempos e semelhante às demais instituições sociais. Para torná-la bela e atraente, é mister empenhar-se em enxertar nela energias novas, justamente como faz o Espírito Santo. É preciso fazer o que faz o Senhor Jesus: amar a Igreja e consumir-se por ela.

O tema da estréia deste ano encontra sua melhor exegese na afirmação da Carta aos Efésios, que diz: “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, … a fim de apresentá-la toda bela, sem mancha nem ruga ou qualquer reparo, mas santa e sem defeito” (Ef 5,25.27). Esse texto é bonito, envolvente e propositivo; um texto para estudar, contemplar e viver intensamente. O sentido fundamental é evidente: Cristo ama, purifica, santifica, nutre a Igreja. Seu amor é de benevolência, não de complacência. A Igreja da qual se fala não é uma realidade ideal e abstrata, mas a Igreja histórica e concreta. Cristo a transforma para torná-la bela, esplendorosa, verdadeira, santa. Ele se consome por ela, toma a iniciativa, não se poupa, a fim de tirar dela qualquer mancha ou ruga.

Essa é a nossa missão: amar a Igreja até nos darmos a nós mesmos por ela, tal como Cristo a amou. A beleza do rosto da Igreja deve refletir a beleza do seu Senhor, o Cristo Crucificado e Ressuscitado. É a beleza do amor, que na paixão nos revela o Senhor Jesus, “o mais belo entre os filhos do homem” (Sl 45,3), “desprezado e rejeitado pelos homens, homem das dores” (Is 53,5c). É a beleza do amor, que na ressurreição é capaz de fazer rolar a pedra que fecha a tumba e sentar sobre ela, com as faixas de linho que envolviam o crucificado no chão e o sudário dobrado num lugar à parte, inaugurando assim a nova criação (Mc 16,2; Jo 20,6-7). Essa é a beleza que salvará o mundo e que nós somos chamados a fazer resplandecer na Igreja. Não é vaidade. É a beleza do amor.

Nosso compromisso é também fazer com que a Igreja se assemelhe cada vez mais à “nova Jerusalém” (cf. Ap 21,10-23), que desce do céu, adorna-a como esposa para o seu esposo. Fazer com que ela seja uma comunidade renovada pelo sopro do Espírito, que a anima e faz novas todas as coisas. Uma comunidade enriquecida por muitos carismas e ministérios, que a mantêm viva e dinâmica. Uma comunidade aberta e acolhedora, sobretudo em relação aos pobres, aos quais é enviada e entre os quais se torna crível e luminosa; uma comunidade que vive a paixão pela vida, a liberdade, a justiça, a paz e a solidariedade, valores aos quais a humanidade é hoje particularmente sensível; uma comunidade que é fermento de esperança para uma sociedade digna do homem e para uma cultura rica de referências éticas e espirituais. Fazer com que ela se torne sempre mais uma Igreja jovem, na qual os jovens se encontram em casa, como em família.

A nova Jerusalém “é uma imagem que fala de uma realidade escatológica, isto é, que atinge as coisas últimas, que vão além daquilo que o homem pode realizar com as próprias forças”: Essa Jerusalém celeste é um dom de Deus reservado para o fim dos tempos. Mas não é uma utopia. É uma realidade que pode começar a estar presente desde agora. (…) Em todo lugar no qual se procure dizer palavras e fazer gestos de paz e de reconciliação, mesmo provisórios, e em toda forma de convivência humana que corresponda aos valores presentes no Evangelho há uma novidade, desde hoje, que dá razões de esperança.

Rejuvenescer a Igreja quer dizer fazê-la voltar às suas origens e à sua juventude. Como as Igrejas dos Atos dos Apóstolos, das Cartas de Paulo e do Apocalipse, ela vive da força da Páscoa e do poder de Pentecostes, realiza a verdade de Cristo e a liberdade do Espírito, lembra-se “do amor de antes”. Uma Igreja que volta às suas raízes apostólicas é corajosa na martyria, isto é, no testemunho do Senhor Jesus e do seu Evangelho, chegando até à entrega da vida. É caracterizada pela euangelia, ou seja, pela comunicação do Evangelho a todos. Ela existe para evan­gelizar, como explicitamente afirma a Evangelii Nuntiandi, o documento mais importante sobre a evangelização, que Paulo VI promulgou dez anos após o término do Concílio. É convocada pela leitourgia, pois a salvação não é uma conquista para executar, mas uma realidade para celebrar com reconhecimento e tornar presente e eficaz em todo tempo e em todo lugar. Está empenhada na diakonia, a qual a Gaudium et Spes tratou de maneira clara: a Igreja não é senhora, mas serva do mundo.

Rejuvenescer a Igreja é fazê-la tornar-se casa para os jovens. A Igreja será jovem se nela estiverem os jovens, sobretudo agora quando cresce a desafeição, pelo menos em algumas partes do mundo, justamente pelo rosto visível da Igreja. Por conseguinte é preciso individuar um caminho mistagógico e pedagógico para levar os jovens à Igreja e fazê-los tornar-se Igreja. Nesse ponto retorna ainda uma vez iluminante o ícone dos discípulos de Emaús, que nos ajuda a entender a Igreja como mãe e mestra, que se faz companheira de estrada de todos os homens e mulheres que procuram o sentido da vida, abre-os à revelação Deus na Escritura, ilumina-lhes a mente e aquece-lhes o coração, e oferece a comunhão do Corpo de Cristo, fazendo com que se tornem comunidade. Trata-se de fazer da Igreja a casa de quantos crêem em Cristo ressuscitado e querem testemunhar a fé nele. A estréia é, pois, um convite a tornar a Igreja jovem e a fazer que os jovens sejam igreja.

João Paulo II, em sua mensagem para o V Dia Mundial da Juventude de 1990, entre outras coisas escrevia aos jovens de todo o mundo: Tomai vosso lugar na Igreja, que não é somente o de destinatários de cuidado pastoral, mas, sobretudo, de protagonistas ativos da sua missão. A Igreja é vossa, antes, vós mesmos sois a Igreja. É um convite para os jovens de qualquer latitude e qualquer tempo.

Um testemunho, um modelo, um ícone

Procurando compreender o que a estréia quer dizer, vou apresentar-vos um testemunho, um modelo e um ícone.

Em primeiro lugar, apresento-vos um testemunho que permaneceu vivo em minha mente e em meu coração. Muito me impressionou o testemunho do padre Vecchi durante a doença, não tanto por se tratar do reitor-mor, mas principalmente por ser sinal da identificação de um homem com a vontade de Deus, no momento em que esta talvez menos coincidia com a sua. Quando a cruz se apresentou a ele de maneira improvisa, sem agenda nem calendário, ele acolheu a enfermidade como aquilo que merecia o seu amor. O seu testemunho expressava a atitude de um verdadeiro crente, de alguém que muitas vezes tinha consolado a outros provados pelo sofrimento e que, chegado o momento de comprovar a própria fé, soube ser um verdadeiro filho de Abraão, o pai dos crentes.

Após a cirurgia, o padre Vecchi tinha alimentado a esperança de uma total recuperação, amparado pela oração de toda a Família Salesiana, que o confiara à intercessão do seu tio, o Beato Artêmides Zatti. Como bom homem de governo, tinha muitos planos na mente, mas teve de aprender o significado da palavra de Jesus a Pedro: “Quando fores velho estenderás as mãos, e um outro te porá o cinto e te levará para onde não queres” (Jo 21,18b). Assim acolheu a doença, como uma nova anunciação de Deus, e esta o encontrou pronto: com a evolução do tumor, ele percebia que o Senhor o estava preparando para o encontro definitivo.

Enquanto nos encontrávamos juntos, durante os exercícios espirituais, ele pediu para celebrar o sacramento da Unção dos Enfermos, precedido de uma confissão com o padre Brocardo. Nessa ocasião fez a sua profissão de fé diante do Conselho Geral, ao diretor da Casa Geral e a outros poucos irmãos: Dou graças a Deus que me deu na Igreja uma mãe. Ela me fez nascer como filho de Deus. Ela me ajudou a crescer e amadurecer mediante a Palavra e os sacramentos. Ela me fez descobrir a minha vocação, a minha missão na Igreja e na sociedade. Ela me acompanha neste momento da minha vida. Ela me espera como verdadeira mãe no céu.

Depois acrescentou: “Agora confio a vós a Congregação. Tomai-a nas mãos e levai-a adiante”.

É o testemunho de um crente, que experimentou a Igreja como Mãe, soube dar prova da fé e, chegado ao momento de entregar-se a Deus, disse, como Paulo, “Tenho certeza de que nem a morte, nem a vida… nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus” (Rm 8,38-39).

Proponho-vos agora um modelo. Neste verão estive em Annecy, cidade para nós rica de significado, porque nos fala de São Francisco de Sales, o modelo no qual Dom Bosco hauriu alguns traços espirituais e pastorais. Dele lembramos o amor à Igreja, que o tornou prudente e determinado com os calvinistas, que não o deixaram sequer tomar posse da sua sede episcopal; o zelo do bom pastor, que oferece aos seus fiéis repouso nos campos do Evangelho e procura as ovelhas perdidas; a destacada bondade, que assumiu como método pastoral e pela qual se tornou conhecido de todos, até dos seus adversários; o humanismo otimista, que o convencia da bondade da criação e das energias de bem de cada pessoa, embora cons­ciente das feridas do pecado; a convicção de que a santidade está ao alcance de todos e deve ser vivida segundo a própria vocação.

Estudando São Francisco de Sales, descobrimos seu sentido de Igreja, que brota do seu ministério pastoral e da sua espiritualidade. Ele é para nós um exemplo que devemos imitar no ser Igreja e no construir a Igreja: decidido nas suas opções e ao mesmo tempo magnânimo no seu estilo. Ele é o santo patrono que Dom Bosco nos quis dar como intercessor e modelo em que nos devemos inspirar. Por isso, nos vários lugares visitados rezei intensamente, pedindo-lhe a graça de alcançar-nos o seu mesmo amor pela Igreja e sua capacidade de vencer os seus inimigos com a fé e com a bondade.

Ofereço-vos, por fim, um ícone. Trata-se da capela Redemptoris Mater, a obra-prima que se encontra no Palácio Apostólico em Roma e que é a homenagem feita pelos cardeais a João Paulo II, por ocasião do jubileu do nascimento de Jesus de Nazaré, Salvador do mundo. Ela de maneira eloqüente nos apresenta a Igreja como Mãe no estilo da arte bizantina, transbordante de cores, de luz e de movimento. Quanto gostaria que todos tivessem a oportunidade de visitar e admirar essa belíssima representação iconográfica da Igreja Mãe.

Tudo nela se torna dinamismo e esplendor. O cosmo é rico de sentido e de vida, graças à realização do plano salvífico de Deus, da criação do mundo até à sua consumação, quando todos seremos tudo em Cristo. Nela nos vem apresentada a história da salvação, assim como é narrada pelo cântico da Carta aos Efésios (1,3-13). A originalidade dessa capela está no fato de ela ter sido concebida como um ícone, que nos fala do plano de salvação de Deus e da sua realização na Igreja como seu sacramento. Maria, Mãe do Redentor, é nossa Mãe desde o início do mundo em Eva, ao pé da cruz, no nascimento da Igreja no Cenáculo, até ao fim do mundo como mulher gloriosa. Ela é icone da Igreja nossa Mãe.

Igreja, luz dos povos, mistério e sacramento de salvação

A Igreja é chamada a refletir o esplendor de Cristo, que é a “luz dos povos”, para iluminar a humanidade, por um lado ofuscada pelo brilho das próprias conquistas científicas e tecnológicas, a ponto de pensar que pode e deve prescindir de Deus, e por outro envolvida nas trevas da pobreza, dos conflitos sociais, interétnicos, do relativismo e da confusão moral. A Igreja deve desempenhar hoje um papel imprescindível, ainda que em condições que sofreram mudanças. Ela não se encontra mais, como alguns ainda pretendem, naquela fase da história em que a ciência e a consciência humana não eram capazes de responder a muitas questões e, assim, a Igreja devia cumprir uma missão de suplência. Ela tem a missão de iluminar a humanidade com o Evangelho.

As primeiras palavras da Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium são significativas e exprimem o seu papel hoje: Sendo Cristo a Luz dos Povos, este Sacrossanto Sínodo, congregado no Espírito Santo, deseja ardentemente anunciar o Evangelho a toda a criatura e iluminar todos os homens com a claridade de Cristo que resplandece na face da Igreja.

O papa João XXIII tinha falado da Igreja como “luz dos povos”. Utilizando essa expressão, o Concílio aplica-a a Cristo, que é “a luz dos povos” que resplandece no rosto da Igreja. Assim ele retoma as palavras do oráculo de Simeão, atribuídas ao Salvador (Lc 2,32).

Segundo a doutrina conciliar, a origem da Igreja precede a história, pois ela existe já no plano primordial do Pai, que a quis como sacramento de salvação. O Filho, que vive desde sempre junto de Deus, mediante a encarnação se inseriu na história. Assim Ele dá também início à Igreja no tempo. Todavia, é retornando à eternidade que Ele se torna o princípio de vida e de desenvolvimento da Igreja. A ressurreição lhe permite, com efeito, efundir o Espírito Santo, que é a alma dela.3 A Igreja vem, pois, da Trindade: Ecclesia de Trinitate.

A estrutura da Igreja se apóia sobre dois fundamentos igualmente essenciais: Cristo e o Espírito Santo. Cristo é sua origem, fim e limite; o Espírito é a luz que faz resplandecer Cristo aos seus olhos e a força que por seu intermédio a conduz ao Pai. Sem Cristo, a Igreja não seria o que é; sem o Espírito não saberia o que é.

Cristo é o fundamento da Igreja. O Espírito é memória de Cristo e consciência da Igreja. O Espírito desempenha uma tríplice função eclesial: Ele é o consolador durante o tempo da ausência física de Jesus, alimentando a espera da Igreja que como esposa aguarda a volta do seu esposo; Ele é o advogado na nossa luta contra o pecado pessoal e social; Ele é o mestre que nos lembra as palavras de Cristo e nos revela a sua pessoa.

A vitalidade da Igreja é proporcional à fidelidade com que ela escuta e segue a voz do Espírito. Habitando nela, o Espírito a conduz incessantemente a Cristo, para que, encontrando-se a si mesmo nele, se renove mediante a contemplação amorosa da sua pessoa, a meditação atenta das suas palavras, a atuação corajosa da sua mensagem. O Espírito continua a plasmar a Igreja, conformando-a a Cristo. E a Igreja se realiza tomando consciência de estar fundada em Cristo.

A primeira característica da consciência da Igreja é, por isso, a de ser mistério, enquanto tem o próprio Deus como conteúdo constitutivo e órgão vivificante. Ao longo dos séculos, a Igreja tentará imergir cada vez mais profundamente nessa sua realidade constitutiva, sabendo que não a pode esgotar, ainda que se sinta sempre mais atraída a ela.

Disso tinha consciência Paulo VI na inauguração da segunda sessão conciliar: De onde parte o nosso caminho, que estrada pretende percorrer, que meta deseja atingir o nosso itinerário? Essas três perguntas têm uma só resposta, que aqui nesta mesma hora devemos a nós mesmos proclamar e ao mundo anunciar. Cristo! Cristo nosso princípio, Cristo nosso caminho e nosso guia, Cristo nossa esperança e nosso fim. (…) Mistério é a Igreja, isto é, realidade embebida de presença divina e por isso sempre capaz de novas e mais profundas explorações. (…) E a consciência da Igreja que se esclarece na adesão fidelíssima às palavras e ao pensamento de Cristo, na lembrança reverente do ensino autorizado da tradição eclesiástica e na docilidade à iluminação interior do Espírito Santo.

A Igreja não se põe a contemplar a si mesma; refere-se sempre a Cristo, de quem lhe advém a vida e de quem sabe que deve ser espelho vivo, e ao Espírito, que lhe dá esse conhecimento e a conduz por meio de Cristo ao Pai. A sua contemplação é um consciente “ato de agradecimento”, é Eucaristia, àquele que vive nela à espera de uma aceitação e de uma resposta vital.7 É quanto escreve o autor da Carta aos Hebreus para encorajar a comunidade de crentes, assustados diante das dificuldades e tentados à rendição, convidando-a a fixar “bem a mente em Jesus, o apóstolo e um sacerdote da fé que professamos” (Hb 3,1), e a “manter os olhos fixos em Jesus, que vai à frente da nossa fé e a leva à perfeição” (Hb 12,2a).

Afirmava-o o próprio cardeal João Batista Montini, quando era arcebispo de Milão: A Igreja não existe para ser belíssima e olhar-se no espelho, dizendo: como sou bonita, eu, esposa do Senhor. A Igreja existe propter nos et propter nostram salutem. (…) Por isso, procurará atualizar-se, despojando-se, se for preciso, de algum velho manto real que lhe ficou sobre as costas, para revestir-se de formas mais simples exigidas pelo gosto moderno.

De aí deriva a tarefa que a Igreja tem em cada época de precisar a consciência que ela tem de si mesma, a fim de descobrir os aspectos que devem ser reformados para a salvação de todos.

Quando no Credo dizemos “Creio na Igreja”, não queremos dizer que temos confiança na realidade humana da Igreja, que como tal é limitada e imperfeita, mas que cremos que Deus se revela nessa realidade humana, que é santificada pelo Espírito e constituída por ele “Corpo de Cristo” e instrumento de salvação. Crer na Igreja é, pois, descobrir o seu verdadeiro mistério, é crer em Deus que nos revela o que a Igreja é, significa acolhê-la como espaço de salvação e amá-la como tal.

Igreja, solidária com as alegrias e as esperanças da humanidade

A Igreja vive o seu mistério em todas as épocas históricas e se esforça por dar uma resposta aos imperativos do momento, à luz do passado e com o olhar voltado para o futuro. Ela sabe que está a serviço do mundo, porque nasceu de Cristo, “que não veio para ser servido, mas para servir e dar a própria vida em resgate por muitos” (Mc 10,45). O papa Pio XI dizia: “Não é o mundo para a Igreja, mas a Igreja para o mundo”. A Igreja, com efeito, deve referir-se ao Senhor que a chama, ao mundo ao qual é enviada, ao Reino que promove no coração do mundo.

É interessante ressaltar alguns fatores externos e internos, que contribuíram para determinar a eclesiologia do Vaticano II. Parece-me que eles estão bem resumidos nesta reflexão teológica: Nos últimos vinte e cinco anos verificaram-se, na sociedade e nas Igrejas do Ocidente cristão, transformações tais que constituem problemas muito sérios para a cristandade ocidental na difusão da mensagem cristã. A expansão econômica e científica seguiu um ritmo vertiginoso. O modelo clássico de sociedade entrou em crise. Com a rebelião do Terceiro Mundo contra toda forma de neocolonialismo, foi posta em discussão a superioridade do Ocidente. Na emancipação da mulher, na grande difusão de um novo modelo de cultura entre os jovens e nos enormes problemas de ordem interna são mais do que nunca vivas as tendências para uma participação maior de todos os membros nos dois momentos em que são elaboradas e tomadas as decisões e para um diálogo real com as outras Igrejas e religiões. O compromisso da Igreja em favor do homem obriga-a a defender-lhe os direitos onde quer que sejam violados. No continente sul-americano, o episcopado, os teólogos e os homens de Igreja fizeram a opção preferencial pelos “pobres”, entendidos num sentido mais amplo que a só pobreza econômica. Os “pobres” começam nestes últimos anos a participar realmente na vida política e eclesial dos países latino-americanos. De objeto de evangelização transformaram-se em evangelizadores.

Certamente, a situação política, social, econômica, cultural e mesmo religiosa mudou ainda mais nestes últimos quinze anos, isto é, desde quando em 1989 caiu o muro de Berlim, terminou a guerra fria, surgiu uma nova hegemonia e se impôs a economia neo-liberal. A situação tomou depois um outro rosto a partir de 11 de setembro de 2001, quando o terrorismo de matriz islâmica fez o seu ingresso no palco internacional de forma dramática; isso levou alguns a falar de “encontro de civilizações”, mas ninguém se atreve no momento a dizer como evoluirá o atual conflito. Todavia, continua a ser válida a aproximação da Igreja à realidade da humanidade, considerada como horizonte e como interlocutor da sua ação; mais ainda é válida a perspectiva, inaugurada pela Constituição pastoral Gaudium et Spes, de falar da fé não em abstrato, mas a partir da vida humana e dos acontecimentos históricos.

Há duas novas atitudes da Igreja de hoje, apresentadas pela Gaudium et Spes, que evidenciam a sua consciência de não ser mais senhora, mas serva do mundo: a atitude de diálogo e a mensagem de otimismo.

A atitude de diálogo nasce do reconhecimento da união fundamental entre a ordem da criação e a da redenção. A Igreja reconhece plenamente a dignidade da natureza humana e os direitos do homem, defende os valores autenticamente humanos e coopera com todos os homens e mulheres de boa vontade na construção de um mundo mais humano. Com essa atitude de diálogo, a Igreja participa na busca comum de soluções para os graves problemas que hoje angustiam a humanidade. Nessa colaboração, a Igreja não se propõe como objetivo sacralizar nem muito menos eclesializar a sociedade civil, pois reconhece a autonomia que, por vontade do Criador, possui a realidade temporal. Com sua ação, a Igreja traz o dom inestimável da luz do Evangelho, com o qual é capaz de pronunciar palavras de valor eterno, onde a sabedoria humana termina.

Hoje a Igreja sabe que o diálogo lhe é absolutamente necessário, como expressão do seu mistério de comunhão e unidade na diversidade, como sinal legível do seu empenho de criar sinergia com as outras religiões, com as outras Igrejas cristãs, com todos os homens e mulheres de boa vontade, para colaborar na construção da “civilização da justiça, da paz e do amor”.

Isso comporta a tarefa de repensar o conteúdo e o estilo do serviço pastoral. Seu conteúdo é anunciar Jesus Cristo, ser sinal da nova humanidade, colaborar na transformação social com todos os operadores do bem, denunciar quanto atenta contra a dignidade da pessoa humana. Seu estilo é o do respeito à diversidade sem pretensão de querer impor nada a ninguém, do diálogo aberto e honesto com todos, da vontade de serviço sem ceder a compromissos.

A mensagem de otimismo, por sua vez, parece encarnar o Evangelho, assim como se acha magnificamente sintetizada por João: “Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Amar o mundo. Amar a humanidade. Essa é, com efeito, a mensagem de otimismo que a Gaudium et Spes difundiu na Igreja pós-conciliar e à qual não permaneceu indiferente a eclesiologia pós-conciliar. A Igreja optou pela solidariedade total com a humanidade e com as suas conquistas, oferecendo o sentido último que estas têm no plano divino do Criador.

A difusão dessa mensagem constituiu o compromisso principal da Igreja pós-conciliar em nível universal e sobretudo em nível das Igrejas do Terceiro Mundo. De tal compromisso participaram concordemente pastores, teólogos e simples fiéis. As tensões existentes nunca colocaram em discussão essa colaboração fundamental; pelo contrário, foram fonte de novas energias.

Fruto desses processos de diálogo e otimismo é o despertar de uma nova consciência eclesial, nas grandes massas dos cristãos, que agora se sentem participantes e, por alguns aspectos, protagonistas da vida eclesial em suas comunidades. Além disso, o cristão começa a aprender a fazer-se homem com os homens, sem por isso renunciar à sua vocação divina. Isso lhe impõe harmonizar o compromisso terreno com o seu destino ultraterreno. A sua fé cristã o leva a pôr-se a serviço dos homens e a descobrir no mais deserdado um irmão que deve ser ajudado a livrar-se de toda opressão e a viver como filho de Deus.

Hoje mostra-se ainda mais belo e entusiasmante o Proêmio da Gaudium et Spes, porque conserva todo o seu frescor e força propositiva. Não resisto, por isso, à tentação de transcrevê-lo, também porque as novas gerações talvez não o conhecem e estão menos familiarizadas com ele. Não vos escondo a alegria e o entusiasmo por essa visão da Igreja, que desejo partilhar com todos os membros da Família Salesiana, e assim seja comunicada aos jovens, para que a amem e se entreguem por ela.

Solidariedade da Igreja com toda a família humana universal

As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração. Com efeito, a sua comunidade se constitui de homens que, reunidos em Cristo, são dirigidos pelo Espírito Santo, na sua peregrinação para o Reino do Pai. Eles aceitaram a mensagem da salvação que deve ser proposta a todos. Portanto, a comunidade cristã se sente verdadeiramente solidária com o gênero humano e com sua história.

Os destinatários das palavras do Concílio

Por esse motivo, após investigar de modo mais profundo o mistério da Igreja, o Concílio Vaticano II não hesita em dirigir a palavra não somente aos filhos da Igreja e aos que invocam o nome de Cristo, mas a todos os homens. Deseja expor a todos como concebe a presença e a atividade da Igreja no mundo de hoje.

O mundo portanto que tem diante dos olhos é o dos homens, e toda a família humana com a totalidade das coisas entre as quais vive. Este mundo, teatro da história do gênero humano e marcada por sua atividade: derrotas e vitórias; esse mundo criado e conservado pelo amor do Criador, segundo a fé dos cristãos; esse mundo na verdade foi reduzido à servidão do pecado, mas o Cristo crucificado e ressuscitado quebrou o poder do Maligno e o libertou, para se transformar de acordo com o plano de Deus e chegar à consumação.

A serviço do homem

Em nossos dias, arrebatado pela admiração das próprias descobertas e do próprio poder, o gênero humano freqüentemente debate os problemas angustiantes sobre a evolução moderna do mundo, sobre o lugar e função do homem no universo inteiro, sobre o sentido de seu esforço individual e coletivo e, em conclusão, sobre o fim último das coisas e do homem. Por isso o Concílio, testemunhando e expondo a fé de todo o povo de Deus congregado por Cristo, não pode demonstrar com maior eloqüência sua solidariedade, respeito e amor para com toda a família humana, à qual esse povo pertence, senão estabelecendo com ela um diálogo sobre aqueles vários problemas, iluminando-os à luz tirada do Evangelho e fornecendo ao gênero humano os recursos de salvação que a própria Igreja, conduzida pelo Espírito Santo, recebe de seu Fundador. É a pessoa humana que deve ser salva. É a sociedade humana que deve ser renovada. É, portanto, o homem considerado em sua unidade e totalidade, corpo e alma, coração e consciência, inteligência e vontade, que será o eixo de toda nossa explanação.

Por isso, proclamando a vocação altíssima do homem e afirmando existir nele uma semente divina, o Sacrossanto Concílio oferece ao gênero humano a colaboração sincera da Igreja para o estabelecimento de uma fraternidade universal que corresponda a essa vocação. Nenhuma ambição terrestre move a Igreja. Com efeito, guiada pelo Espírito Santo ela pretende somente uma coisa: continuar a obra do próprio Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para condenar, para servir e não par ser servido.

Eis, meus caros, por que é tão preciosa a presença da Igreja no mundo. É luz que ajuda a encontrar o plano de Deus sobre a humanidade e guia a inteligência para soluções plenamente humanas. É fermento que colabora para a transformação profunda da humanidade, enxertando nela energias de bem. É força solidária na tarefa de edificação da sociedade atual. Se é verdade que a Igreja tem necessidade da humanidade, da qual faz parte e da qual partilha alegrias e esperanças, angústias e sofrimentos, é igualmente certo que a humanidade tem necessidade da Igreja, chamada a ser nela “sal da terra”, “luz do mundo”, “cidade sobre o monte”.

A Igreja existe para ser sinal do Reino de Deus. Para tornar visível e crível tal sinal, a Igreja deve renovar-se e converter-se, rejuvenescer e purificar-se. Para isso, ela deve aprofundar suas opções fundamentais: a paixão para com Deus, que a liberte de qualquer conformação ao mundo nos seus critérios, valores, atitudes, comportamentos; a fraternidade e comunhão eclesial, de modo que ela possa tornar-se ponto de referência para o mundo e ser atraente e convincente; o impulso missionário, que a ajude a vencer o medo ou timidez dos discípulos reunidos de portas fechadas no Cenáculo, e a leve a anunciar o Evangelho a todos; o empenho de servir, desenvolvendo simpatia e solidariedade para com todos; a opção pelos pobres, que são sua marca de identidade, qualidade, fecundidade.

Para uma imagem jovem da Igreja

Especialmente nos Atos dos Apóstolos, que nos apresentam a origem da Igreja, podemos haurir inspiração, vontade e dinamismo, para nos empenharmos na tarefa inderrogável de rejuvenescer a Igreja. Como dizia no início desta reflexão, nos Atos estão presentes os traços específicos e constantes de uma Igreja que quer manter-se fiel ao seu Senhor e ser fecunda em relação ao mundo.

Uma Igreja martirial

A Igreja manifesta, antes de mais, uma natureza “martirial”, isto é, sabe dar a razão de sua fé, porque é chamada a ser testemunha do Senhor Crucificado e Ressuscitado. Por isso, muitas vezes a Igreja é uma realidade contracultural, no sentido de ser portadora de um Evangelho que não se destina à mentalidade do mundo. Nesse seu caráter paradoxal, que se mostra muito claro no sermão da montanha do Evangelho de Mateus e no discurso da planície do Evangelho de Lucas, reside justamente a sua força profética e a sua significatividade.

Decerto, a coragem de se opor à mentalidade comum, de denunciar modos de agir consolidados mas nem por isso menos injustos, implica a solidão, a rejeição, em certos casos a perseguição e até a morte, como de fato experimentam tantos irmãos e irmãs em diversas partes do mundo. Estando pelo que diz Jesus no sermão da montanha, parti­cularmente nas bem-aventuranças, poder-se-ia dizer que quando os crentes não são de alguma maneira perseguidos, desprezados, marginalizados, devem examinar-se se não falharam em sua missão profética. Quem é cúmplice dos pecados do mundo de hoje, quem não cria aborrecimento, quem não põe em crise, quem não denuncia os problemas dramáticos que nos afligem e dos quais ninguém quer falar, corre o risco de trair o Evangelho.

Uma fé autêntica, ao invés, é sempre acompanhada do martírio, do testemunho vivido no cotidiano, no cumprimento dos próprios deveres e no compromisso eclesial e social. Não se deve esquecer que os mártires, de ontem e de hoje, os canonizados e os não oficialmente reconhecidos, não são apenas a glória da Igreja, mas também um ponto de referência para todos os crentes, chamados a dar testemunho da própria fé em qualquer circunstância da vida.

Uma Igreja litúrgica

Em segundo lugar, a Igreja é uma comunidade “litúrgica” que celebra a sua fé, faz crescer novos filhos mediante a iniciação cristã e leva o crente à plena configuração a Cristo. A liturgia é uma verdadeira escola de santidade, porque transforma a existência pessoal e comunitária em oração. Mesmo que desafeição em relação à Igreja pareça muitas vezes originar-se da falta de fascínio de tantas liturgias, não se pode cancelar nem o valor nem a necessidade de uma autêntica vida celebrativa. Isso, além da necessidade de uma catequese litúrgica que nos introduza nos mistérios e nos ajude a amadurecer na fé, implica cuidar da qualidade das celebrações, para que sejam simples e bonitas, dignas e fecundas.

Ao celebrar devemos recuperar o sentido do gratuito e do mistério, as razões para a festa, a dimensão comunitária. Somos convidados a dar à liturgia o lugar que lhe corresponde como “fonte e vértice da vida crist㔠(SC 10). Desejaria aqui referir-me de modo particular à Eucaristia, sacramento supremo do amor de Cristo e da união com ele. Na Eucaristia cada um recebe Cristo, e Cristo recebe cada um. Não podemos esquecer que, como dizia De Lubac, “a Igreja faz a Eucaristia, e a Eucaristia faz a Igreja”.

Isso confere à Eucaristia dominical uma importância capital: ela é um encontro que robustece a nossa consciência de saber-nos membros de um povo que caminha pelo mundo com o olhar fixo no céu. Participar da celebração dominical significa assumir a vida de toda a semana, para fazê-la tornar-se oferta a Deus, e testemunhar na sociedade que para nós Deus é Deus e que Jesus Cristo está vivo e operante na nossa comunidade. A fidelidade ao mandato “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19) se refere ao ato litúrgico, mas também ao encargo de atualizá-lo e prolongá-lo na entrega da própria vida pela salvação do mundo.

Devemos aprender a viver o domingo como dia da Igreja, dia do homem, dia do Senhor. É particularmente sugestivo o prefácio dos domingos do tempo ordinário, que apresenta esse dia como antecipação do “domingo sem fim”, quando o homem se vir definitivamente livre de todo trabalho, fadiga, lágrima e da própria morte, e terá paz, amor, vida sem fim.

De outubro de 2004 a outubro de 2005, João Paulo II estabeleceu o Ano da Eucaristia, no quadro de um projeto pastoral indicado na Novo Millennio Ineunte, na qual convidava todo cristão a “partir de Cristo”, a se empenhar numa “medida alta da vida crist㔠e a exercitar-se na “arte da oração”. Para nós é importante viver este ano em sintonia com toda a Igreja. A Eucaristia “é o lugar privilegiado no qual a comunhão é constantemente anunciada e fomentada”: Precisamente mediante a participação eucarística, o dia do Senhor se torna também o dia da Igreja, que poderá, assim, desempenhar de maneira eficaz o seu papel de sacramento de unidade. (NMI 36)

Uma Igreja evangelizadora

O terceiro elemento característica da Igreja diz respeito à sua força evangelizadora e à capacidade de anunciar Cristo e seu Evangelho. Tertuliano dizia que “não nascemos cristãos, tornamo-nos cristãos”.

É uma afirmação particularmente atual, porque hoje estamos em meio a alastrantes processos de descristianização, que geram indiferença e agnosticismo. Os habituais percursos de transmissão da fé resultam em não poucos casos impraticáveis. Não podemos dar como certo que se saiba quem é Jesus Cristo, que se conheça o Evangelho, que se tenha uma qualquer experiência de Igreja. Vale para crianças, meninos, jovens e adultos. Vale para nossa gente e, obviamente, e para tantos imigrados, provenientes de outras culturas e religiões. Há, pois, necessidade de um renovado primeiro anúncio da fé.

Não se deve esquecer que aumenta, pelo menos na Europa, o número de famílias que já não pedem o Batismo para seus filhos, o número de meninos batizados que não mais se aproximam dos outros sacramentos, o número dos que, após haver recebido o sacramento da Confirmação, deixam de freqüentar a Igreja.

Volta assim mais premente o apelo para evangelizar seriamente. Isso se realiza hoje mediante uma acolhida cordial e gratuita que dispõe positivamente as pessoas à evan­gelização, com o anúncio explícito de Cristo como salvador do mundo, a escuta da palavra de Deus, e o acompanhamento pessoal que facilita o amadurecimento das pessoas até Cristo ser formado nelas” (Gl 4,19).

O escopo é formar discípulos enamorados de Cristo e imitadores fiéis do Senhor Jesus, que sabem que a sua vocação consiste em ser “sal da terra”, “luz do mundo”, “cidade sobre o monte”, em suma, homens e mulheres que fazem do Evangelho seu programa de vida e que são conscientes da responsabilidade que têm “diante dos homens”. Para Jesus, o discípulo é tão necessário ao mundo quanto o sal para conservar os alimentos ou a luz para se ver. Existe o perigo de que o discípulo renegue sua fé. Nesse caso, o dito de Jesus sobre o sal manifesta toda a sua força, que poderíamos expressar assim: Vós sois meus discípulos. Mas se o discípulo perde a sua característica de discípulo, quem lha poderá restituir? Já nada serve para o mundo. É como um objeto que se pode jogar fora, para que seja pisado e desprezado pelos homens.

Uma Igreja diaconal

Enfim, a Igreja tem uma característica “diaconal”: ela sabe que sua missão é servir o povo de Deus e o mundo. Tal missão não é exclusiva do papa, bispos, sacerdotes, religiosos ou leigos comprometidos, mas de todos os batizados que, em virtude do Batismo, partilham a missão do seu Senhor e Mestre. Isso exige que se aprenda a servir, que se esteja atento às necessidades dos outros, que se dê sempre o primeiro passo para ir ao encontro, que se assumam empenhos generosos, que se seja apóstolo.

Os cristãos são chamados a ajudar os homens a vencer a desilusão e a apatia, a gozar as realidades bonitas da vida, a ativar a capacidade de sonhar um futuro adequado ao homem, a inventar novas relações entre pessoas e entre Estados, a respeitar a natureza, a pôr fim para sempre à guerra. Talvez também entre os crentes aninha-se o ceticismo de quem não acredita que um mundo alternativo ao atual seja possível. A Igreja não pode desiludir as expectativas e as aspirações legítimas, especialmente as mais profundas, das populações abastadas ou empobrecidas, esfaimadas ou saciadas, do Ocidente e do Oriente, do Norte ou do Sul.

Uma Igreja diaconal é solidária com os mais pobres, com os que não têm nenhum outro defensor que assuma a sua causa a não ser Deus. Quando a esperança anima a vida de quem é pobre, Deus e o homem já se encontraram, porque somente com a ajuda de Deus o pobre pode esperar quando já não há futuro. A esperança dos pobres já é fé que vive. Disso têm consciência também os profetas de hoje. Sua tarefa é reconhecer a fé dos pobres e testemunhar o Evangelho da absoluta solidariedade de Deus com eles.

Sentido eclesial em Dom Bosco e na tradição salesiana

Dom Bosco soube viver a fidelidade ao Senhor Jesus, enquanto experimentava cotidianamente a dolorosa realidade eclesial do seu tempo. Seu vivo sentido de Igreja foi principalmente uma atitude e uma experiência de colaboração com todas as energias e recursos para seu bem. Dom Bosco expressava o seu amor à Igreja com um trinômio simples, mas profundo: amor a Jesus Cristo, presente principalmente na Eucaristia, que é a ação central da Igreja; devoção a Maria, Mãe e Modelo da Igreja; fidelidade ao papa, sucessor de Pedro e centro de unidade da Igreja.

Trata-se de três elementos inseparáveis entre si, que se iluminam mutuamente e encontram sua convergência na pessoa de Cristo. O sonho de Dom Bosco, chamado “das duas colunas”, é uma exemplificação imediata e sugestiva dessas forças dinâmicas, dos três amores de Dom Bosco, que edificam a Igreja: Eucaristia, Maria, Pedro. A Igreja de Dom Bosco tem uma forma eucarística, uma figura mariana, um fundamento petrino.

Esse sensus Ecclesiae apresenta-se de modo admirável na fusão que Dom Bosco fez dos títulos de “Auxiliadora” e de “Mãe da Igreja”.17 É interessante constatar como Dom Bosco compreendeu muito bem que a renovação da Igreja devia passar através de uma madura piedade mariana, convencido de que se perde o sentido da Igreja Mãe quando se perde o sentido da vocação materna de Maria. Isso nos faz perceber a relação estreita que existe entre a Igreja Mãe e a evangelização, entre Maria, a Igreja e a ação apostólica. Isso significa que o “sentido da Igreja” deve traduzir-se cotidianamente num profundo sentido de pertença e num compromisso responsável como crente.

Na Carta Edificante, escrita na volta de Roma, em 14 de junho de 1905, ao falar de Dom Bosco como modelo de apego à Igreja, o padre Rua escreveu: Os que conheceram Dom Bosco durante sua vida mortal ou leram sua maravilhosa vida, ao mesmo tempo que admiraram as virtudes extraordinárias, terão sem dúvida se convencido de que ele não vivia senão para Deus e que em todo tempo, em todo lugar, em toda ação, embora mínima, era guiado pelo espírito do Senhor. Para nós, seus filhos, parece quase impossível representar-nos Dom Bosco senão com o rosto aceso de santo zelo e com os lábios abertos em ato de repetir o seu mote predileto: Da mihi animas, caetera tolle.

Creio não errar se pensar que também vós não podeis imaginá-lo senão como um perfeito modelo de sacerdote, esquecido de si mesmo, preocupado unicamente em promover a glória de Deus e a conduzir um grande número de almas para o céu. E se tivéssemos a oportunidade de perguntar-lhe como fez para superar tantas dificuldades, atravessar vitoriosamente os escolhos, prosseguir imperturbável o caminho que lhe foi traçado pela Providência e fundar a sua Pia Sociedade, parece que ele, com sua fisionomia afável e sempre irradiando caridade e doçura, nos responde com as palavras de São Paulo: nos autem sensum Christi habemus, como se quisesse dizer-nos que nunca pensou nem agiu segundo os ditames do mundo, e sempre e em toda a parte se esforçou por reproduzir em si mesmo o divino modelo, Jesus Cristo, e assim pôde cumprir sua missão.

Não havia perigo de ele errar na prática desse espírito do Senhor, porque queria ser guiado em tudo por aquela Igreja que é coluna e fundamento da verdade. Examinamos sua vida por inteiro, e encontraremos Dom Bosco solícito, antes de tudo, em ser sempre filho obedientíssimo da Santa Igreja, disposto a qualquer sacrifício para propagar suas doutrinas e defender seus direitos. Não somente observava suas leis, mas ainda prevenia-lhe os desejos. Por isso é que nós, seus filhos, temos agora a inefável consolação de ver sancionada pela autoridade infalível do Sumo Pontífice muitas coisas que, tantos anos faz, Dom Bosco, profundo conhecedor dos tempos e intérprete seguro do espírito da Igreja, com zelo incansável nos inculcava. Provaram-no os fatos.

Na mesma linha, falando do sentido eclesial de Dom Bosco, escrevia o padre Luís Ricceri: O seu conceito prático de religião, o seu critério pastoral de ação, é uma visão superpolítica e supercultural do cristianismo, concretizado na Igreja que ama ver fundada sobre Pedro e os Apóstolos e sobre seus sucessores, o papa e os bispos: “Toda fadiga é pouca – dizia – quando se trata da Igreja e do papado”. Sua visão radicava-se na certeza da presença viva do Espírito Santo na Igreja, na convicção de que o papa é o vigário de Cristo na terra, e na consciência (e devoção) de que Nossa Senhora é a Auxiliadora dos Cristãos. Em coerência com esse sentido criou iniciativas, iluminou decisões, aceitou incumbências difíceis e também sofreu incompreensões e injustiças.

Mais adiante, na mesma carta, o padre Ricceri estigmatiza “uma prática discrepância eclesial (como) atitude de alguns que prescindem das orientações do Magistério, até com manifestações esporádicas e diversificadas de contestação pública”: Sua conduta praticamente prescinde do “dom de iluminação do ministério” do papa e dos bispos. Na raiz de semelhante atitude – à qual Dom Bosco estava inteiramente alheio – costuma encontrar-se um sociologismo na interpretação do mistério da Igreja, que não salva nem a sua instituição divina, nem a sua distinção do mundo. O “povo de Deus” em tal perspectiva se torna simplesmente o povo, e a assembléia de base substitui a iniciativa do Espírito Santo, esvaziando as mediações institucionais. Também essa atitude se mostra em aberta contradição com a práxis de Dom Bosco, e totalmente estranha à mais clara tradição salesiana.

Em seguida, entre os critérios para orientar a atividade salesiana, ao lado de atentar o realismo da nossa missão, o padre Ricceri indica o de ser solidários com a opção da Igreja.

Antes de mais, a Igreja optou desde sempre e de forma definitiva por Cristo, o seu Senhor, como a esposa pelo esposo. Eis o primado absoluto de amor e de verdade que ilumina toda a sua missão e guia a sua atividade. Mas sobre o fundo dessa opção fundamental há opções pastorais que a Igreja formula nas diferentes situações históricas. Diante do momento crucial que o mundo vive, a Igreja fez a sua opção concreta no Concílio Ecumênico Vaticano II. Nessa opção “voltou-se, não se desviou”, para o homem de hoje, olhou-o com os olhos de Deus, após haver considerado a si mesma como um “sacramento” que deve servir à sua salvação. O Concílio quis uma sua presença útil e libertadora na promoção humana. Uma presença, porém, que se concretiza num compromisso de ordem religiosa.

“Do nosso amor por Cristo nasce inseparavelmente o amor pela sua Igreja”, diz o artigo 13 das Constituições dos SDB. Recebemos do nosso Pai Dom Bosco uma sensibilidade especial pela capacidade da Igreja de construir “a unidade e a comunhão entre todas as forças que trabalham pelo Reino”. O espírito salesiano nos constitui como centros de comunhão de muitas outras forças e como construtores e promotores da Igreja entre os jovens. Por isso devemos expressar e manifestar um singular amor à Igreja mediante uma fidelidade dinâmica e responsável aos seus ensinamentos, um esforço generoso de comunhão e colaboração com todos os seus membros e, sobretudo, um empenho incondicional para abrir a Igreja aos jovens e os jovens à Igreja, de modo que todos possam encontrar nela o rosto de Cristo e os tesouros da Salvação.

Ninguém, talvez, como o padre Egídio Viganò desenvolveu na reflexão e na ação esse sensus Ecclesiae. Dele falou explicitamente apresentando a dimensão eclesial da devoção a Maria Auxiliadora.22 Na carta sobre “A animação do diretor salesiano” escreveu: O Diretor, porque padre, deve cuidar eclesialmente do significado e dos horizontes da atividade pastoral sua e da comunidade. Deve saber viver e fazer viver em sintonia e colaboração com o papa, com os bispos e com os sacerdotes. Promover as relações com eles, a simpatia, a amizade, a estima e a colaboração. Não por diplomacia ou por simples conveniência, mas porque tudo isso constitui um aspecto importante do conteúdo do seu serviço à comunidade salesiana.

Na carta “A nossa fidelidade ao sucessor de Pedro”, o padre Viganò nos diz que “entre os componentes de uma espiritualidade juvenil salesiana há justamente um forte ‘sentido de Igreja’ com apropriadas atitudes a serem criadas, desenvolvidas e traduzidas em experiência vivida”. Na mesma carta ele as concretiza em alguns pontos particularmente estratégicos: o conceito de Igreja como “Mistério”, que ajuda a superar visões eclesiológicas minimalistas ou desviantes; a imagem do papa qual primeiro e supremo pastor, contra toda visão sociológica; a inclusão dos conteúdos do magistério do papa nas nossas atividades de evangelização, contra uma adesão simplesmente afetiva ou sentimental, mas não operativa; a acolhida, em vista do caráter pastoral e pedagógico da vocação salesiana, das diretrizes morais e do ensinamento social do papa, para contestar o permissivismo e o egoísmo da cultura hodierna.

Como Família Salesiana, trabalhamos com a Igreja e pela Igreja, procuramos “sentir com a Igreja”, pertencemos à Igreja. Vivemos na Igreja. Somos Igreja. Poderíamos expressar este sensus Ecclesiae, que trazemos inscrito no nosso carisma, com uma doxologia eclesiológica: “Pela Igreja, com a Igreja, na Igreja, a Vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda honra e toda glória, agora e para sempre. Amém”.

Para uma pedagogia do ser Igreja e viver com a Igreja

Dizia no começo que a nossa missão é a de enamorar os outros pela Igreja, especialmente os jovens. Esse é um desafio mais do que nunca importante, precisamente porque aqui e ali se percebe uma tendência cada vez maior a se viver um cristianismo sem Igreja. Há cristãos que não renunciaram ao relacionamento com a Igreja, mas que não pertencem e não se identificam com nenhuma comunidade. Eles são semelhantes aos que rodam por um supermercado e entre as diversas ofertas escolhem as que mais lhes agradam.

Sabemos que a identificação com Cristo é sempre também uma identificação com o seu Corpo, com a sua Igreja, com aqueles que lhe pertencem. Esse é um critério de avaliação de autêntica identidade cristã, mas ao mesmo tempo a pertença à Igreja tem sentido somente como instrumento de pertença a Cristo: o nosso sim a ela é expressão do nosso sim a Ele. Pois bem, segundo o texto citado de Paulo aos Efésios, essa identificação se realiza mediante o Batismo e a vida sacramental, codifica-se na profissão de fé, vive-se na orientação da vida cristã e exprime-se na oração.

A pergunta crucial é, então, como educar os jovens para serem Igreja e viverem com a Igreja. Num mundo sempre mais plural, secularizado, relativista, a formação dos crentes exige um claro e significativo testemunho da comunidade cristã, de modo que possa oferecer aos jovens uma imagem evangélica da identidade da Igreja e da sua missão no mundo. Ela pede também um caminho de fé, em particular uma sólida catequese, que ajude a amadurecer a sua consciência, a fim de que possam abrir-se a tudo o que é humano, harmonizar suas opções com as da Santa Madre Igreja, dar testemunho da própria fé, em suma, identificar-se com Aquele que se identificou conosco, para ser filhos do Pai e irmãos dos homens.

Temos consciência de que o testemunho da comunidade tem uma força notável de credibilidade e de apoio. Educa-se na fé com o que se é e se vive, mais do que com o que se diz e se ensina. O caminho de educação dos jovens para a Igreja começa com um compromisso sincero da comunidade eclesial de aprofundar suas opções fundamentais, isto é, a paixão para com Deus que a reúne por meio de Cristo no Espírito, a fraternidade entre todos os batizados, a preocupação evangelizadora, a vontade de serviço à sociedade, a prioridade para os mais pobres.

Seguindo essas grandes opções, a comunidade cristã descobre os caminhos para converter-se e para resistir às diversas tentações de hoje: a tentação de dobrar-se sem discernimento evangélico aos critérios, valores, atitudes e comportamentos de uma sociedade que tende a erigir-se como ídolo sedutor para os crentes; a tentação do medo que muitas vezes nos cerra dentro das paredes da Igreja, com uma atitude de desconfiança e até de reivindicação diante da sociedade; a tentação do individualismo e da passividade, do recurso às honras e ao dinheiro, do medo de ser marginalizada com os marginalizados.

Nesse esforço de conversão, a nossa identidade eclesial deve ser cada vez mais transparente, para tornar-nos significativos e para tornar visível e crível o que anunciamos. Por isso, as nossas obras de qualquer tipo – escolas, centros de formação profissional, universidades, casas de acolhida, paróquias, oratórios, centros juvenis, cidade dos meninos – devem ter como primeiro escopo a evangelização, o anúncio da boa-nova da salvação que Deus quer dar a todos no seu Filho Jesus.

A gestão profissional das obras e a seriedade para executar um programa nas atividades que desenvolvemos não deve obscurecer nunca o primado que corresponde à evangelização.

Privadas de um zelo entusiasta pelo verdadeiro Deus, a teologia e a pastoral se reduziriam a pura técnica e atividade organizativa. Também a Igreja deve sempre expulsar o templo os negociantes: “Tirai daqui essas coisas. Não façais da casa de meu Pai um mercado” (Jo 2,16).

Não se deve esquecer que as estruturas, que são necessárias para a missão, correm muitas vezes o perigo de obscurecê-la, quando não há uma alma que as torne resplendentes.

Eu me pergunto se a dificuldade crescente de identificar-se com a Igreja não é conseqüência também do fato de ela ser conhecida em algumas partes como não seriamente preocupada em solidarizar-se com os mais necessitados, como não identificada com o sofrimento do mundo, como muito fechada e segura de si mesma.

No caminho para tornar mais significativo o rosto da Igreja, devemo-nos preocupar com os sinais que a expressam e manifestam. Muitas pessoas descobrem e sentem a Igreja através dos sinais que dela encontram na vida cotidiana. Tais sinais podem suscitar novos laços ou fortificar os já existentes, podem congelar ou enfraquecer ou relançar os movimentos de aproximação à Igreja. Por isso é importante que a comunidade cristã faça crescer os sinais da Igreja.

Há alguns sinais privilegiados, que ajudam a adesão dos jovens à Igreja: o sinal da acolhida cordial e evangélica, que manifesta uma atitude de abertura gratuita, de escuta incondicional, de vontade sincera de serviço; o sinal da qualidade humana e cristã dos serviços de assistência, educação e cuidado pastoral; o sinal da verdade da vida litúrgica e da oração da comunidade cristã, que se expressa numa celebração orante, participativa, cuidada, em sintonia com os problemas e as situações da sociedade; o sinal dos pastores que vivem uma vida evangélica impregnada pela paixão por Deus, com uma capacidade de acolhida e de sintonia com o povo, sobretudo com os jovens e os pobres, um serviço gratuito, um compromisso sincero com a comunhão. Por meio desses sinais, os jovens são introduzidos na experiência de Igreja e ajudados a abrir-se a ela.

Junto com o testemunho, é urgente promover entre os jovens um caminho de fé que leve a encontrar-se pessoalmente com Cristo, a viver a vida sacramental, a inserir-se sempre mais conscientemente na Igreja, a conhecê-la e amá-la, a empenhar-se nela e viver para ela. Uma das áreas do caminho de fé dos jovens diz respeito justamente ao crescimento para uma inteira pertença eclesial. Também a espiritualidade juvenil salesiana propõe uma experiência de comunhão eclesial. Esse é o compromisso fundamental da comunidade cristã e em concreto das nossas comunidades educativas. A atenção ao caminho de fé dos jovens exprime a maternidade da Igreja, que cuida dos seus filhos e os ajuda a crescer. Isso exige algumas opções específicas.

Fazer conhecer a Igreja

É preciso ajudar os jovens a superar uma imagem parcial da Igreja, vista muitas vezes somente nos seus aspectos institucionais, como se fosse uma organização social e política semelhante às outras, ou então identifi­cada com a hierarquia, ou, ao contrário, reduzida a uma realidade puramente espiritual, individual e ideal. Isso requer uma cuidadosa catequese sobre a Igreja segundo as linhas oferecidas pela Lumen Gentium e pela Gaudium et Spes, mas também uma introdução à vida concreta da Igreja, fazendo conhecer seus projetos, suas preocupações, suas melhores iniciativas, pessoas e comunidades significativas. Uma informação confiável, positiva e contínua contribuiria certamente para promover um conhecimento mais real e mais significativo da Igreja.

Por isso, no caminho de educação no sentido de Igreja, é importante formar a consciência social dos jovens segundo a Doutrina Social da Igreja, seja para aprender a viver a dimensão social e política da fé, seja para tornar-se mais solidários com os problemas que afligem a vida de tantos homens e mulheres no mundo que vivem em situações inumanas, seja para gerar voluntários, apóstolos e missionários.

Fazer experiência de Igreja

O sentido de Igreja e de pertença não se cria de forma abstrata, mas mediante a experiência da vida cristã nas diversas situações da pessoa, começando pela família, com razão chamada por Paulo VI Igreja doméstica, e continuando na paróquia, na qual se realiza normalmente a experiência de comunhão de fé, de esperança, de caridade. No nosso caso fazemos experiência de Igreja com os jovens nos diversos tipos de comunidades educativas pastorais, que devem ser sinal de fé, escola de fé, centro de comunhão e participação, “até poder tornar-se uma experiência de Igreja” (Const. 47).

Trata-se, então, de robustecer a própria comunidade de fé em todas as expressões educativas pastorais, para fazê-las tornar-se fermento de transformação social. É o que testemunham os sumários dos Atos dos Apóstolos: Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações. Apossava-se de todos o temor, e pelos apóstolos realizavam-se numerosos prodígios e sinais. Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e possuíam tudo em comum; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um. Perseverantes e bem unidos, freqüentavam diariamente o templo, partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E, cada dia, o Senhor acrescentava a seu número mais pessoas que seriam salvas. (At 2,42-47)

A partir da vida das comunidades, se impôs uma cultura alternativa ao Império Romano e um modelo social caracterizado não pela ânsia de possuir, acumular e ser os primeiros, mas pela vontade de partilhar, servir e ser solidários.

Isso exige também qualificar os momentos da vida eclesial, como o Batismo, a catequese, a participação na Eucaristia, a escuta da Palavra, o acesso ao sacramento da Reconciliação, os encontros de grupos e de comunidades, os retiros e as celebrações dos momentos fortes do ano litúrgico, os momentos de convivência e de fraternidade, o contato com a realidade local etc. Nada deve ser banalizado. Tudo pode e deve favorecer o amadurecimento do sentido eclesial.

Fazer encontrar a vocação na Igreja

O caminho de educação da fé deve ajudar a passar das boas disposições de ânimo às convicções sólidas, destas às motivações estimulantes, depois aos projetos de vida, em seguida à entrega total a Deus e aos outros. Eis o que significa amar a Igreja e doar-se por ela. O amor à Igreja se manifesta também nessa capacidade de deixar-se agarrar por Cristo, a ponto de renunciar aos pró­prios interesses e projetos e colocar-se completamente à sua disposição para continuar na própria pessoa a sua obra de construção do Reino. A adesão à Igreja, tornada possível pelo conhecimento da sua realidade, desenvolvida por um progressivo sentido de pertença a ela e acrescida com concretas experiências eclesiais, amadurece no empenho vocacional.

Quem em nossos dias se põe a serviço da Igreja deverá estar convencido, até nas mais recônditas dobras da sua existência, da possibilidade de mostrar ao homem, também em meio a um mundo secularizado e ateu, as pegadas de Deus na história e na própria vida. Esse compromisso de ser testemunhas vivas da experiência de Deus no nosso mundo deve animar e invadir os diversos campos de atividade e setores de trabalho pastoral em que se traduz cada ministério ou serviço… Hoje, mais que no passado, é verdade, pois, que Deus tem necessidade dos homens.

Faço votos por que todos nós possamos amar, seguir e imitar a Jesus com o ardor, a convicção e a fidelidade das grandes colunas da Igreja, São Pedro e São Paulo. Assim poderemos confessar publicamente a nossa fé e o nosso amor como eles: “Senhor, tu sabes tudo. Tu sabes que te amo” (Jo 21,17). “Senhor, a quem iremos? Somente tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68); “Sei em quem acreditei” (2Tm 1,12); “Vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). Então a nossa fé se traduzirá em caridade operativa e se tornará testemunho crível e convincente.

Faço votos por que todos nós possamos atingir a meta a que chegou Santa Teresinha do Menino Jesus: Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, tu me deste esse lugar, meu Deus. No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor, e desse modo serei tudo, e meu desejo se realizará.

À maneira de conclusão: como as cores do arco-íris

Termino contando uma lenda indígena americana, All the colors of the rainbow, que me parece um apelo a juntar o que de melhor há em nós para criar algo belo, luminoso, fascinante e, ao mesmo tempo, significativo, como pode ser um arco-íris.

A Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus, que lembram e tornam presente seu amor ao homem e seu empenho em oferecer plenitude de vida. Para ser críveis e eficazes, temos, porém, necessidade de pôr de lado nossa auto-suficiência e juntar nossas potencialidades e recursos, até ser uma Igreja jovem, sem mancha nem ruga, nem nada semelhante, mas bela e resplendente.

Contam que as cores do mundo começaram, um dia, a discutir, pretendendo ser cada uma delas a melhor, a mais importante, a mais útil, a favorita.

Disse a Verde:

– Certamente a mais importante sou eu, sinal de vida e de esperança. Fui escolhida para a erva, para as árvores, para as folhas. Sem mim, todos os animais morreriam. Olhem o campo: vejam como estou por toda parte.
A Azul a interrompeu:

– Você só pensa na terra, mas veja o céu e o mar. A água é o fundamento da vida, as nuvens a levam para o alto tirando-a do mar profundo. O firmamento oferece espaço e paz e serenidade. Sem a minha paz, vocês todas não seriam nada.

A Amarela riu à socapa:

– Vocês são todas muito sérias. Eu trago ao mundo o riso, a alegria e o calor. O sol é amarelo, a lua é amarela, as estrelas são amarelas. Sempre que se vê um girassol, o mundo inteiro começa a sorrir. Sem mim não haveria alegria.
A Alaranjada fez ressoar sua trompa:

– Eu sou a cor da saúde e da força. Posso ser pouca, mas sou preciosa porque sirvo as necessidades da vida humana. E trago as vitaminas mais importantes. Pensem nas cenouras, nas abóboras, nas laranjas, nas mangas e nos mamões. Não estou continuamente andando por aí, mas quando invado o firmamento na aurora ou no ocaso, minha beleza é tão impressionante que ninguém mais se importa com vocês.

A Vermelha não pôde conter-se, e gritou:

– Eu sou chefe de todas vocês. Eu sou sangue, e a vida é sangue. Sou a cor do perigo e da coragem. Estou disposta a lutar por uma causa. Eu trago fogo no sangue. Sem mim, a terra estaria vazia como a lua. Sou a cor da paixão e do amor, da rosa vermelha, da poinséttia (a estrela de natal) e da papoula.

A Púrpura empertigou-se o mais que pôde. Era alta de fato, e falou com grande dignidade:

– Eu sou a cor da soberania e do poder. Reis, chefes e bispos escolheram sempre a mim, porque sou sinal de autoridade e de sabedoria. O povo não me coloca em discussão, limita-se a me ouvir e a me obedecer.

A Anil falou bem mais tranqüila que as demais, mas com mais decisão:

– Olhem para mim. Sou a cor do silêncio. Vocês dificilmente percebem minha presença, mas sem mim todas vocês se tornam superficiais. Eu represento o pensamento e a reflexão, o crepúsculo e a água profunda. Vocês precisam de mim para o equilíbrio e o contraste, para a oração e a paz profunda.

E assim as cores continuaram a gabar-se, cada uma convencida da própria superioridade. A discussão foi-se tornando cada vez mais forte e áspera. De repente um clarão rápido e intenso riscou o céu e estourou um trovão. Depois começou a chover torrencialmente. As cores se amontoaram cheias de medo, aproximado-se umas das outras para se encorajarem.

Em meio ao clamor, a Chuva começou a falar:

– Cores insensatas, vocês estão aí a brigar umas com as outras, cada uma pro­curando dominar as demais. Não sabem que cada uma de vocês foi feita para uma finalidade especial, única e diferente? Juntem as mãos e venham para mim.

Fazendo como lhes havia sido dito, as cores se juntaram e se deram as mãos. A Chuva continuou:

– De ora em diante, quando chover, cada uma de vocês se estenderá ao longo do firmamento num grande arco colorido para lembrar que todas vocês podem viver em paz. O arco-íris é um sinal de esperança para o amanhã.
E assim, onde quer que a chuva banha o mundo e um arco-íris aparece no firmamento, lembremo-nos de apreciar os outros, de dar-nos a mão, de criar comunhão e ser um sinal de esperança para a humanidade.

A Maria, a Mãe de Deus, sob cuja proteção iniciamos o novo ano 2005, confio cada um e cada uma de vós, caríssimos membros da Família Salesiana, educadores e jovens do mundo. Ela, Mãe da Igreja, nos ensine a ser e a saber formar discípulos diletos e anunciadores felizes do seu Filho. Ela nos ajude a reconhecer a Igreja como nossa Mãe, que sempre nos gera e nos regenera na fé.

Com afeto e reconhecimento, em Dom Bosco.

Pe. Pascual Chávez V.

1º de janeiro de 2005
Solenidade de Maria SS.
Mãe de Deus e Dia Mundial da Paz

[1] C.M. MARTINI, Perché la Bibbia è il libro del futuro dell’Europa?, Cesano Boscone, 9 maggio 2004.
[2] Cf. J. GALOT, Il Cristo Rivelatore, fondatore della Chiesa e principio di vita, in Vaticano II – Bilancio e prospettive, venticinque anni dopo 1962-1987, a cura di R. LATOURELLE, Cittadella, Assisi 1987, pp. 343-360.
[3] Ivi, p. 347.
[4] O. GONZÁLEZ, La nuova coscienza della Chiesa, in La Chiesa del Vaticano II, Opera collettiva diretta da G. BARAÚNA, Vallecchi, Firenze 1965, pp. 238-239.
[5] Ivi, p. 240.
[6] PAOLO VI, Discorso di apertura del secondo periodo del Concilio, 29 settembre 1963, in Enchiridion Vaticanum 1, EDB, Bologna, 1993, nn.143-145.150.153.
[7] Cf. O. GONZÁLEZ, La nuova coscienza della Chiesa, op. cit., p. 241.
[8] G.B. MONTINI, Discorsi e scritti milanesi, vol. III: 1954-1963, a cura di G. E. MANZONI, Istituto Paolo VI, Brescia, 1997, p. 930.
[9] Cf. Seguir a Jesucristo en esta Iglesia, Lettera pastorale dei Vescovi di Pamplona e Tudela, Bilbao, San Sebastián e Vitoria, Quaresima – Pasqua di Resurrezione 1989, pp. 13-16.
[10] A. ANTON, L’Ecclesiologia postconciliare: speranze, risultati, prospettive, in Vaticano II – Bilancio e prospettive venticinque anni dopo 1962-1987, a cura di R. LATOURELLE, Cittadella, Assisi 1987, p. 363.
[11] Cf. A. ANTON, op. cit., pp. 386ss.
[12] Gaudium et spes, n. 1.
[13] Gaudium et spes, n. 2.
[14] Gaudium et spes, n. 3.
[15] TERTULLIANO, Apologetico, 18, 4.
[16] CONFERENZA EPISCOPALE ITALIANA, Il volto missionario delle Parrocchie in un mondo che cambia. Nota pastorale, Notiziario della Conferenza Episcopale Italiana, Numero 5-6, 1 luglio 2004, p. 140.
[17] G. BOSCO, Meraviglie della Madre di Dio invocata sotto il titolo di Maria Ausiliatrice, Torino 1868, in Opere edite, vol. XX, Editrice Direzione Generale Opere Don Bosco, Roma, pp. 198-199.
[18] M. RUA, Lettera Edificante. Lo spirito di D. Bosco – Vocazioni – Buona Stampa, 14 giugno 1905, dalle Lettere Circolari, Edizione Direzione Generale Opere Don Bosco, Roma, pp. 384-385
[19] L. RICCERI, I Salesiani e la responsabilità politica, in Lettere Circolari di don Luigi Ricceri ai Salesiani, Edizione Direzione Generale Opere Don Bosco, Roma, p. 942.
[20] Ivi, p. 951.
[21] Ivi, pp. 951-952.
[22] E. VIGANÒ, Maria rinnova la Famiglia salesiana di don Bosco, ACG 289, Roma 1978.
[23] E. VIGANÒ, L’animazione del direttore salesiano, ACG 306, Roma 1982, p. 12.
[24] E. VIGANÒ, La nostra fedeltà al Successore di Pietro, ACG 315, Roma 1985, p. 26.
[25] Cf. E. VIGANÒ, La nostra fedeltà al Successore di Pietro, ACG 315, Roma 1985, pp. 26-30.
[26] K. LEHMANN, Vale la pena rimanere nella Chiesa e vivere per essa, in J. RATZINGER – K. LEHMANN, Vivere con la Chiesa, Queriniana, Brescia 1978, p.36.
[27] L. MACARIO, Appartenenti a Cristo nella Chiesa – Note di pedagogia ecclesiale, in AA.VV. In Ecclesia, LAS, Roma, 1977, p. 487.
[28] K. LEHMANN, Vale la pena rimanere nella Chiesa e vivere per essa, in J. RATZINGER – K. LEHMANN, Vivere con la Chiesa, Queriniana. Brescia 1978, p.33-34.
[29] Manuscrits autobiographiques, Lisieux 1957, 229.
[30] All the Colors of the Rainbow, Basata su una originale Leggenda Americana, presentata da Leon Orb, 2 giugno 2004.

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