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Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 15 anos

ECA completa 15 anos sem ainda ter conseguido ser integralmente cumprido

No próximo dia 13 de julho, a lei número 8069/90, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 15 anos de existência. Se já em 1990 as determinações descritas em seus 267 artigos tivessem começado a deixar o papel para fazer parte do cotidiano dos mais de 50 milhões de crianças e adolescentes brasileiros, certamente o retrato da infância e adolescência no país seria diferente.

Não que não se tenha avançado e por isso não se deva comemorar a aprovação da lei. Ao contrário. Os índices de mortalidade infantil e de acesso à educação, por exemplo, melhoraram nos últimos anos. O presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), José Fernando da Silva, aponta que, a taxa nacional mortalidade caiu de 48,3 mortos/mil nascidos vivos, em 1990, para 29,6 em 2000. O acesso à educação entre as crianças de sete a 14 anos, praticamente está universalizado.

Mas quando se observam os dados mais profundamente, o otimismo perde espaço e tem-se a certeza de que ainda falta muito para que os direitos infância e da adolescência estejam assegurados. As diferenças regionais, étnicas e do recorte por gênero nos índices de mortalidade infantil são gritantes. No nordeste, a taxa de mortalidade era de 44,2 mortos/mil nascidos vivos em 2000. A qualidade do ensino, conforme define José Fernando, “coloca o Brasil em posição de destaque negativo no cenário internacional”. E o acesso à escola ainda é baixo entre as crianças que têm a zero e seis anos (32,09%) ou de zero a três anos (9,43%).

A aplicação das medidas socioeducativas para casos de adolescentes em conflito com a lei é outro ponto delicado. Nesse aspecto, é como se o Código de Menores, caracterizado pela doutrina da “situação irregular”, ainda fosse a referência. A doutrina da “proteção integral” exigida pelo Estatuto e a determinação do Conanda de 1996, que prescrevia que cada unidade de internação tivesse, no máximo, 40 adolescentes internos parecem ser completamente ignoradas.

O que se vê são governos estaduais insistentes na construção de unidades para 200, 300 e 400 adolescentes. “Em ambientes como esses, é impossível querer reeducar os adolescentes e elaborar planos individuais de atendimento para fazer com que os adolescentes reflitam sobre o ato infracional e voltem para a sociedade”, pondera José Fernando.

Assim, se por um lado, como assinala Rubens Naves, diretor-presidente da Fundação Abrinq, “o ECA é um instrumento jurídico completo porque descortina os direitos assegurados no artigo 227 da Constituição Federal – que determina a prioridade absoluta para a criança e o adolescente e a responsabilização do Estado, da família e da comunidade no cumprimento desses direitos – e porque apresenta os mecanismos (Conselhos Municipais de Direitos e os Conselhos Tutelares) para tornar eficazes esses direitos”, por outro, sua implantação exige uma rápida mudança de cultura.

O pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa, que foi um dos redatores do ECA, concorda. Ele diz que, embora o ECA faça parte do panorama legal brasileiro desde 1990, em termos da prática dos direitos, ele continua sendo um “projeto, pois ainda estamos longe de construir uma sociedade que, no seu todo, entenda a criança e o adolescente como sujeitos de direito, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e prioridade absoluta”. E completa: “Os governos ainda não se mostraram capazes de entender, aceitar e praticar o novo direito. Existe uma grande falta de compromisso ético, vontade política e competência técnica na condução das políticas públicas neste campo. Há experiências positivas, que apontam caminhos válidos. Elas, porém, ainda estão longe de serem majoritárias. Nossa esperança é de que a exceção de hoje possa transformar-se na regra feliz de amanhã”.

Responsabilidade de todos

O ECA é enfático quando requer a participação não só do Estado, mas da família e da sociedade em geral na promoção dos direitos da criança e do adolescente. Esse é um dos pontos que, inclusive internacionalmente, é avaliado de forma positiva e inovadora por parte dos especialistas.

“A parte da legislação – que se refere aos deveres do Estado na elaboração e aplicação de políticas públicas básicas de educação, saúde, lazer, cultura, profissionalização e é cumprida por qualquer país sério – não vem sendo cumprida universalmente no Brasil”, afirma Therezinha Martins de Almeida, que atua no Fórum Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente de São Paulo e milita na área há 50 anos. Mas a sociedade e a família também vêm se ausentando de suas responsabilidades.

Na avaliação da militante, isso acontece porque a democracia participativa direta ainda é nova no país, e porque o cidadão, desacostumado a fazer valer seus direitos, quando tem a possibilidade de atuar politicamente, se esquiva. Therezinha cita o caso dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, que têm uma estrutura paritária (número igual de representantes do governo e do povo) e são responsáveis pela elaboração de políticas públicas para essa população.

“Os cidadãos não estão participando ativamente. A nossa cultura ainda não assimilou que o que antes se fazia através de passeatas nas ruas, as reivindicações informais agora se fazem de forma oficializada”, alerta. E ainda indica que o governo não está dando os subsídios necessários para que isso se concretize. “No caso das eleições dos conselheiros tutelares [que serão realizadas no próximo dia 15 de maio], está sendo a maior dificuldade porque a eleição não está regulamentada. Ninguém fala de onde vem o dinheiro, não se fala das obrigações do TRE [Tribunal Regional Eleitoral] e da Prefeitura. Nada está regulamentado”, lamenta.

Desconhecimento

O desconhecimento da sociedade brasileira sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente é evidente. Apesar de o ECA ter sido construído com o apoio da sociedade civil organizada, de ser um desdobramento da aprovação do artigo 227 da Constituição 1988 – resultado de uma emenda popular subscrita por 1,5 milhão de cidadãos -, ele ainda não faz parte do cotidiano da maior parte da população brasileira, inclusive das crianças e adolescentes, principais interessados. “O diretor tem que saber que tem que denunciar a criança que vai espancada para a escola. O médico tem que saber que a criança que aparece com o braço quebrado foi espancada; não caiu da cama. Os pais têm obrigação de mandar as crianças para a escola. O professor tem que avisar o Conselho Tutelar que o aluno não está indo para escola”, esclarece Therezinha.

Mas isso não acontece, pois esses atores sequer sabem que a lei existe, para que serve ou que papéis deveriam cumprir para assegurar sua implementação. Um caminho para fazer com que a lei se tornasse conhecida seria criar campanhas para popularizar o Estatuto, segundo os especialistas. Só assim, a sociedade passaria a pressionar o governo para a elaboração e aplicação das políticas públicas adequadas, a exigir um diálogo maior entre as três esferas de governo (município, Estado e União) a fim de promover uma integração entre as políticas, e a controlar a destinação dos recursos até a base.

As campanhas poderiam ser realizadas nas escolas, associações de bairros, organizações sociais, órgãos governamentais e na televisão. “O Criança Esperança fala de tudo, pede dinheiro, mas nunca fala do Estatuto. Aproveitando a regulamentação temas transversais, a escola também poderia discutir questões de cidadania, divulgar os direitos da criança e do adolescente já desde o pré-primário. Nossa escola não é uma escola cidadã, crítica, como Paulo Freire sonhou”, afirma indignada Therezinha.

Rubens Naves, da Fundação Abrinq, no entanto, adverte que a campanha por si só não é suficiente, se não for seguida de ações concretas. “Não adianta se não existe a prática articulada. Porque, senão, depois que a campanha é veiculada, cai no esquecimento”, esclarece. Para ele, é fundamental que a sociedade civil passe a atuar de forma mais articulada. Por isso, sugere que sejam criadas redes sociais, que trabalhem em sinergia.

“A sociedade civil ainda está muito dispersa, o que gera um desperdício enorme de energia”, afirma Rubens. Para ele, seria interessante uma convergência maior entre as diversas organizações. Ele também considera que os governos deveriam se abrir mais às experiências exitosas desenvolvidas pela sociedade civil, transformando-as em políticas públicas quando adequado. Mas para isso, avalia como fundamental que a sociedade civil sistematize essas experiências.

Controle social em pauta

O controle social do Estatuto da Criança e do Adolescente é inclusive o tema deste ano da Conferência do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). O presidente do Conselho explica que essa Conferência é realizada a cada dois anos, em três etapas: municipal, estadual e federal. Até o dia 18 de julho, os municípios devem organizar suas conferências. Os encontros estaduais acontecerão até o dia 17 de outubro e a Conferência Nacional, entre 12 e 15 de dezembro.

Entre os temas de discussão estão: como ampliar a participação da sociedade de forma geral na garantia dos direitos da criança e do adolescente, como inserir a população no controle social, e incentivar os adolescentes a participarem desse processo. De acordo com José Fernando, o Conanda, em parceria com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), vão disponibilizar o máximo de informações sobre as conferências, inclusive o calendário de realização dos encontros, nos sites das duas entidades.

O presidente cita duas metas como desafios do Conanda para até 2007: fazer com que todos os municípios brasileiros tenham Conselhos de Direitos (órgãos que têm como principal atribuição a deliberação do controle das principais políticas públicas na área da criança e do adolescente) criados e funcionando corretamente; e com que 80% dos municípios já estejam com seus Conselhos Tutelares (órgãos encarregados de fiscalizar a aplicação do ECA, identificando e denunciando os casos de violação de direitos e fazendo os encaminhamentos necessários) também criados e funcionando.

Em 13 julho, tal como no ano passado, o Conanda vai elaborar um documento sintético de avaliação dos 15 anos do ECA, para ser distribuído juntos aos meios de comunicação e para todos os atores que atuam na área da criança e do adolescente. No documento, o Conselho deve ponderar os avanços da sociedade, os entraves e as possibilidades para os próximos anos.

Paralelamente, o Conanda vem promovendo um estudo, em parceria com organizações não governamentais, de análise sobre as unidades de internação. A pesquisa deve ser enviada aos governos estaduais nos próximos meses.

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