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Dom Rua, continuador de Dom Bosco.

 

Dom Rua, continuador de Dom Bosco.

Dados relevantes

O livro do padre Francis Desramaut publicado pela editora LAS, Roma, 2009, em italiano e traduzido para o português por Antônio Feltrin, 2010, tem como título Vida do Padre Miguel Rua: primeiro sucessor de Dom Bosco (1837-1910). O arco histórico do livro abrange exatamente a data do nascimento de Miguel Rua 09/06/1837 e da sua morte 06/04/1910. São 356 páginas muito bem documentadas e com detalhes preciosos feitos pelo autor que tive a honra de ter como professor em Roma. O livro celebra assim o centenário da morte deste gigante seguidor de Jesus Cristo nas pegadas de Dom Bosco.

Padre Francis orienta o leitor sobre as outras biografias escritas com um breve aceno crítico. Em 1911, o padre João Batista Francesia (1838-1930), grande amigo do Bem Aventurado Miguel Rua, escreveu a primeira biografia, Padre Miguel Rua, primeiro sucessor de Dom Bosco. Certamente empolgado ainda pelos fatos do grande reitorado de Dom Rua a obra, segundo Francis, é excessivamente marcada pelo protagonismo do padre Rua. Isto é compreensível, pois ambos foram coetâneos.
A segunda biografia sobre Miguel Rua foi escrita pelo padre Ângelo Amadei (1868-1945). Uma obra em três volumes com o título O servo de Deus Miguel Rua (Turim, 1931-1934). O historiador recorreu às crônicas das FMA, ao arquivo da Congregação e a vários testemunhos. Entretanto, Amadei não se preocupou com a análise critica dos fatos nem com citação das fontes, empobrecendo sua obra e misturando muitos dados. Após receber algumas críticas ele enxugou a obra e publicou apenas um volume mais elaborado com o título Um altro Don Bosco, Don Rua (Turim, 1934). No mesmo ano da canonização de Dom Bosco.

A terceira obra sobre Dom Rua surgiu em francês das mãos de Augustin Auffray (1881-1955), amigo do protagonista: Um Saint forme par um autre Saint. Le premier sucesseur de Don Bosco, Don Rua (Um santo formado por outro Santo. O primeiro sucessor de Dom Bosco, Dom Rua) (Paris-Lyon, 1932). A obra é bem cuidada, com análise crítica e fontes abundantes. No parecer do padre Francis é a “primeira biografia decorosa do padre Rua”.

Em seguida apareceu o livro do padre Eugênio Ceria (1870-1957) na mesma linha do padre Auffray, Vita Del Servo di Dio Dom Michele Rua, primo sucessore di San Giovanni Bosco (Turim, 1949). Uma obra qualificada por Francis como de “excelente qualidade”, de tal forma que bastaria reeditá-la. Contudo, são ainda desconhecidas as fontes teológicas de Dom Rua, todas as pregações escritas e proferidas por ele ainda estão por serem conhecidas e muitos de seus cadernos de estudante de teologia ainda não foram estudados. Na verdade, Dom Rua, ainda é desconhecido dentro da nossa historia salesiana.

A estrutura do livro

O livro de Francis Desramaut tem 35 capítulos, um epílogo e uma cronologia. Com a liberdade de leitor subdividi a obra em seis partes: A 1ª. Compreende os capítulos de 1 a 4. São as narrativas da infância até a organização da Sociedade Salesiana, cujo protagonismo de Miguel Rua é importantíssimo e mostra claramente o menino urbano com forte educação rígida marista e o encontro com Dom Bosco que traçou novos rumos a sua vida. A 2ª parte engloba os capítulos de 5 a 13, desde a ordenação de Miguel Rua até a morte de Dom Bosco. Ali encontramos Dom Bosco que preparou seu sucessor sem mudar sua personalidade, mas aceitando-o com todas suas virtudes e limitações. A 3ª parte segue do capítulo 14 até 22. Narra o protagonismo de Dom Rua como sucessor de Dom Bosco. São páginas preciosas, pois nelas encontramos um homem empreendedor e fiel ao fundador, um dinamismo nem sempre fácil. A 4ª parte compreende os capítulos 23 a 27. Neles são descritos os Capítulos Gerais que deram forma a Sociedade Salesiana desde o processo formativo, a Família Salesiana e o governo da Sociedade. Na 5ª parte, capítulo 28 a 31 tem o clima político e social que envolveu a Igreja e a Sociedade Salesiana com a publicação da Rerum Novarum, o doloroso processo de separação do Instituto das FMA, os escândalos de Varazze e o inicio do processo de beatificação de Dom Bosco. São páginas que mostram o sofrimento de Dom Rua e sua luta incansável para manter vivo o espírito fundacional. A 6ª parte, capítulos 32 a 35, temos a estratégia usada por ele o Conselho Geral para superar a crise anterior, sua fama como Reitor-Mor e os últimos anos de sofrimento físico antes da morte e, finalmente a morte do nosso querido Dom Rua. São anos de trabalho incansável, grande mística e santidade. A presença do padre Miguel Rua era tão respeitada e amada quanto foi Dom Bosco.

O epílogo relata o processo de beatificação que durou 50 anos. Ali vemos a consistência deste processo e me pergunto: o que falta para canonizar Dom Rua? Milagres? Sua vida como superior foi um milagre. Sua capacidade de adaptação e fidelidade ao carisma fundacional foi um milagre. Seu amor a Igreja, ao Papa e sua vida eucarística foi um milagre, suas cartas revelam um homem profundamente de Deus, seu amor aos jovens é incontestável, sua forma de governo colegiado foi exemplo para todos nós, sua atenção a Família Salesiana é invejável; enfim, sua vida santa é um milagre. Não entendo porque desde 1972, data de sua beatificação, até hoje, 38 anos depois, ainda não foi possível canonizá-lo.

Algumas impressões

A obra de Francis revela alguns detalhes que para mim eram desconhecidos. A partir de 1870 a 1875 Dom Rua foi nomeado visitador das casas. Nasceu ali o inspetor salesiano. Sua fama não era das melhores. Era temido, mas não se preocupava com isto. Seu principal objetivo era zelar pela fidelidade ao carisma fundacional. Passava realmente as casas a pente-fino. Observava desde a limpeza dos ambientes até a organização da sacristia das igrejas.

Orientava objetivamente os diretores e recomendava a vida exemplar de piedade, de governo e animação da comunidade religiosa. Era conhecido em Mornese pelas FMA como o homem da regra, ou seja, o observante. Neste aspecto o CG de 1877 sintetizou assim o inspetor: como Dom Bosco, pai, e na esteira de Dom Rua, a observância. Esta seria a melhor síntese de um bom inspetor: paterno e observante.
Outro detalhe importante em Dom Rua foi seu carinho ativo pela Família Salesiana, sobretudo com os salesianos cooperadores e as FMA. Ele realmente acompanhou, falou, orientou e dinamizou a FS. Sofreu amargamente para obedecer ao Decreto que separava as Congregações femininas das masculinas. Um belo exemplo também a ser seguido de desejo de unidade da FS, ainda mais com as FMA.

Destaco, também, o cuidado de Dom Rua com a formação das novas gerações. Ele como mestre de noviços, mesmo que não oficial, foi exemplar. Inculcou o espírito do trabalho, da oração, da presença entre os jovens, o amor a Dom Bosco, o sentido profundo do seguimento de Jesus Cristo.

Era claro para ele que a Sociedade Salesiana não é feita para jovens convertidos, mas para aqueles que nascem dentro dos nossos ambientes bebendo da fonte da espiritualidade. Esta sinergia com Dom Bosco precisa urgentemente ser redescoberta e valorizada.

Por fim, destaco o Dom Rua visitador dos irmãos, o homem capaz de se relacionar com as autoridades locais, com os bispos, com o clero e com as Congregações religiosas. Ele sabia criar laços e inserir os seus salesianos neste dinamismo eclesial. O homem empreendedor e ousado que levou o carisma de Dom Bosco para lugares antes impensáveis. Ele queria que os jovens recebessem a mensagem do Evangelho traduzido no carisma de Dom Bosco.

O livro do padre Francis Desramaut é uma obra de arte a ser contemplada e conhecida por todos nós. Além de favorecer o conhecimento de Dom Rua proporciona uma leitura mais atual de Dom Bosco e dos inícios da Sociedade Salesiana. Que tal um encontro da Família Salesiana para refletir Dom Rua e a FS a partir desta obra? Cheguei a sugerir a Comissão Nacional de Formação que realizássemos no Brasil um Congresso sobre Dom Rua, mas, como tantas outras iniciativas também esta passou em brancas nuvens. A história segue seu rumo. Oxalá a canção que diz “estava à toa na vida e meu amor me chamou pra ver a banda passar cantando coisas de amor…” não se torne modelo de vida para nós. Dom Rua não apenas viu a banda, mas seguiu com ela, tendo em punho o estandarte de Dom Bosco. “Diga a esta geração que avance!”.

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