Nós, participantes da XVII Assembléia Geral do Conselho Indigenista Missionário, realizada em Luziânia – Goiás nos dias 30/07 a 03/08/2007, para definir os rumos da entidade para os próximos dois anos, tendo como tema “Economias e territórios indígenas: tradição, nova realidade, utopia”, e celebrar os 35 anos de nosso compromisso com os povos indígenas, estudamos, debatemos e nos posicionamos diante da realidade brasileira e latino-americana.
Celebramos também com muita alegria esses dias de fraterna e solidária convivência, iluminados pela lua cheia e sol abundante, uma brisa leve e uma vibrante esperança que nos vem do Deus da vida. Tivemos a fortalecedora presença de representantes dos povos indígenas e aliados das pastorais e dos movimentos sociais do Brasil e de outros países.
Lembramos com muito carinho companheiros e companheiras lutadores e lutadoras que nos deixaram nesses 35 anos de luta e compromisso, e os povos indígenas que tombaram na luta por seus direitos. De maneira especial celebramos o testemunho dos que nos deixaram mais recentemente como D. Franco Masserdotti, D. Luciano Mendes de Almeida, Dom Franco Dalla Valle, Maninha Xukuru-Kariri e Dra. Armanda Figueiredo, Sub-Procuradora Geral da República.
Durante esses dias nos debruçamos sobre o contexto brasileiro e latino-americano e identificamos aí diversos processos políticos e econômicos em curso, ameaçadores aos direitos culturais e territoriais dos povos, comunidades indígenas e amplos setores populares.
A nefasta política macroeconômica neoliberal, a serviço das grandes corporações transnacionais que se abate sobre a Abya-Yala dos povos denominados latino-americanos, busca o controle total dos territórios de camponeses e indígenas e dos recursos naturais. A agressividade do capital ameaça os direitos e a vida dos povos e das populações do campo.
O Programa de Aceleração do Crescimento, PAC, um projeto onde as dimensões humana, social e de futuro estão ausentes, desterritorializado, com a previsão de um elenco de obras de infra-estrutura como a transposição das águas do rio São Francisco, a construção das hidrelétricas que atingem terras indígenas, a exemplo de Belo Monte no rio Xingu/PA, Jirau e Santo Antônio no rio Madeira/RO, do Complexo do rio Juruena/MT e Estreito no rio Tocantins/MA, atendendo a poderosos interesses econômicos, atropela os direitos dos povos indígenas e das populações rurais e violenta a natureza.
O agronegócio, apoiado pelas políticas governamentais, que se caracteriza pelos monocultivos para o mercado internacional, pelo uso intensivo de produtos químicos (agrotóxicos, adubos), pela mecanização pesada, pelas tecnologias totalitárias e agressoras à biodiversidade, paralisa a demarcação das terras indígenas e mantém a concentração fundiária.
O avanço do desmatamento praticado por fazendeiros, grileiros e madeireiros na Amazônia brasileira e nos países limítrofes significa uma ameaça permanente aos mais de 60 povos que se encontram em situação de isolamento.
As fronteiras, constantemente invocadas contra os direitos dos povos indígenas são geradoras de violência para as populações que ali se localizam, devido à militarização, o contrabando, e o narcotráfico.
Cresce assustadoramente a violência contra os povos indígenas, com características de genocídio como no Mato Grosso do Sul, onde somente neste ano foram assassinadas 21 lideranças dos povos Guarani Kaiowá e Terena.
Submetidos a séculos de preconceito e discriminação, muitas vezes expulsos de seus territórios tradicionais, diversos povos indígenas se encontram nas cidades e no campo, reconstruindo suas identidades e exigindo o reconhecimento de seus direitos. No entanto, o poder público e setores poderosos da sociedade têm na repetição do preconceito e da discriminação a única resposta as suas legítimas demandas.
As políticas indigenistas governamentais têm-se revelado incapazes de assegurar os direitos indígenas. Isso se reflete no Congresso Nacional onde o Estatuto dos Povos Indígenas encontra-se paralisado há mais de 12 anos. Enquanto os recursos orçamentários diminuem para a demarcação e garantia das terras, crescem os recursos para políticas assistencialistas, geradoras de dependência e desmobilização. Continuam as práticas integracionistas. Os desmandos na atenção a saúde, gerados pelo processo de terceirização, loteamento político dos cargos na Funasa e pela corrupção resultou no aumento trágico da mortalidade nas aldeias indígenas, a exemplo do que acontece nas terras indígenas do Vale do Javari, Pirahã no Amazonas, entre os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, nos Munduruku do Pará, nos Oro Wari´ em Rondônia, e nos Xerente no Tocantins. Estes desmandos vitimaram, inclusive, a líder indígena Maninha Xukuru-Kariri, integrante da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, CISI, por falta de atendimento no Hospital Regional de Palmeira dos Índios, em Alagoas.
No âmbito do Poder Judiciário existe uma avalanche de ações, com decisões liminares, que paralisam a demarcação das terras indígenas, bem como está em curso um processo de crimilização das lideranças indígenas em luta pela terra.
Destacamos como sinais de esperança a inscrição dos direitos indígenas nas Constituições de muitos paises latino-americanos e sua consolidação através de instrumentos internacionais como a Convenção 169 da OIT e a Declaração Universal dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas aprovada pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, em 2006.
A eleição de Evo Morales, indígena Aymara, para Presidente da Bolívia mostra o potencial desses povos para a construção de novas perspectivas de sociedade.
O crescimento demográfico da população indígena de 10% ao ano impulsionado pelo processo de auto-identificação tanto no interior quanto na cidade, a mobilização em torno do Acampamento Terra Livre e a criação da Comissão Nacional de Política Indigenista, CNPI, atestam avanços da luta indígena no Brasil.
Essa realidade nos desafia a aprofundar as contradições do sistema, mantendo e ampliando os espaços territoriais dos povos indígenas, quilombolas, camponeses e aqueles destinados a proteção ambiental; ampliar e fortalecer as alianças no Brasil e na América Latina; favorecer a soberania alimentar e a geração de renda nas comunidades indígenas; acompanhar os processos identitários e migratórios indígenas no campo e nas cidades e a problemática das fronteiras; enfrentar as políticas governamentais integracionistas e o caos da atenção à saúde indígena; desenvolver ações de proteção dos povos indígenas em situação de isolamento e risco; aprimorar os processos de formação política e integral que fortaleçam a mística militante para o enfrentamento do sistema neoliberal e construção de caminhos de justiça, equidade e solidariedade.
Destacamos em nossa ação para os próximos dois anos com os povos indígenas as dimensões terra/territorialidade, formação missionária e indígena, articulação e alianças e enfrentamento das políticas públicas. Assumiremos com particular empenho a Campanha Guarani: Terra, Vida e Futuro.
Diante da utopia do Reino, a V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, recentemente reunida em Aparecida (SP), aponta para as múltiplas transformações necessárias no mundo (DA 290) e na sociedade (DA 283, 230). Vemos com esperança e ânimo o empenho dos povos indígenas e dos setores populares brasileiros e latino-americanos nessas transformações. A diversidade de lutas, protagonistas e proposições para um novo projeto popular, sintetizadas na proposta indígena de “viver bem” para toda a sociedade, nos confirmam na aliança com os povos indígenas e no serviço evangélico a sua causa.
Luziânia-GO, 03 de agosto de 2007.
Cimi – Conselho Indigenista Missionário