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Do ponto de vista dos grandes debates, o tema que aqueceu a maioria dasbarracas foi a discussão do conceito de democracia.

“Más temprano que tarde, volverá el pueblo a las grandes alamedas”
Salvador Allende

O Fórum Social Mundial viveu a sua quinta edição, em janeiro de 2005, na
cidade de Porto Alegre, completamente transformado. Toda a estrutura,
composta por enormes lonas brancas, ficou montada às margens do rio
Guaíba, com figurões e figurinhas tendo que conviver – de forma igual e
horizontal – com um calor de mais de 40 graus e os pés sujos de poeira.
O centro do complexo foi o acampamento da juventude e todas as suas
contradições. O mundo “possível” se explicitou, dando espaço, inclusive,
para suas chagas,mostrando que, talvez, como já ensinara El Che, o
melhor seja lutar – e sempre – pelo impossível. Humanizar o capitalismo
ou transformar radicalmente o mundo seguiu sendo a dicotomia já
explicitada desde o primeiro fórum. Críticas de que o fórum virou um
festival juvenil sem compromisso com a mudança também apareceram, como
se não fosse possível viver a alegria da festa cultural e social junto
com o compromisso revolucionário. Ao que parece, ainda se respira o ar
viciado e putrefato das propostas de uma militância vivida sem riso, sem
encontros ternos e sem calor.

Do ponto de vista dos grandes debates, o tema que aqueceu a maioria das
barracas foi a discussão do conceito de democracia. Falaram disso os
grandes nomes como Saramago, Petras, Galeano etc…até os desconhecidos
que se dispersaram nas mais de duas mil oficinas. Pelo que se viu, está
mais do que na hora de romper com essa falsa questão que coloca a
democracia como “santa de altar”, como disse Saramago. É em nome dela
que os Estados Unidos fazem a guerra, por exemplo, ou que o capital
financeiro governa o mundo. “Não foram os povos que decidiram isso.
Então, que democracia é essa?”, inquiriu o escritor português.

Muda o mundo, mudam os conceitos A necessidade de novos conceitos não
nasce só do desejo de alguns. Ela urge a partir da realidade
contemporânea. Uma olhada para o planeta hoje vai dar conta de que a
exploração dos trabalhadores pelo capital não é mais a única variável,
lembra o professor peruano Aníbal Quijano. “Temos um desemprego
crescente porque o capital não precisa mais do ser humano tanto quanto
já precisou. E no mundo sub-desenvolvido vemos o crescimento cada vez
maior da escravidão. Há mais de 200 milhões de escravos na Ásia, África
e América do Sul”. Ele ainda lembra que existe a expansão de um trabalho
que não passa mais pelo mercado formal. Assim, o capitalismo não pode
ser analisado simplesmente como a relação capital x trabalho, mas como
uma rede bastante complexa que inclui a escravidão e o mercado informal.

Com base nisso, Quijano propõe que é preciso fazer nascer um outro tipo
de conhecimento, nascido das práticas sociais. Segundo ele, a América
Latina deve sair de seu eurocentrismo, criar outra forma de fazer
ciência social e re-inventar o conceito de democracia que, hoje, nada
mais é do que uma igualdade de desiguais. “Apenas 20% das seis bilhões
de pessoas têm acesso aos bens produzidos no mundo. Isso é uma
acumulação jamais vista”. Com ele concorda o escritor português José
Saramago que, dizendo-se um não-utopista,desancou a democracia alegando
que, dela, ninguém mais espera milagres. Para ele, a democracia há
tempos foi seqüestrada e amputada pelo capital financeiro que governa o
mundo. “Por isso, é urgente discutir a democracia.De que democracia
falamos quando falamos democracia?” Edgardo Lander, da Venezuela, também
se coloca a favor de um novo padrão de conhecimento que não esse trazido
pela modernidade, que significou conquista, escravidão, submissão,
genocídio. Para ele, a cara luminosa das novas tecnologias é o revés da
cara da destruição. “O povo fica achando que isso é normal e que
qualquer oposição a esse projeto de modernidade seja uma patologia. Mas
não é. O padrão do norte não serve para todos os povos”.

Lander alerta para a análise do hoje. A democracia liberal e suas
conquistas estão em franco declínio. O modelo social-democrata está
fazendo água, a esfera pública, a liberdade de pensamento, os direitos
conquistados, tudo se esvai. O controle dos meios de comunicação impede
novas formas de pensar. “O modelo de democracia em vigor é o padrão de
poder. Nega a diversidade da história, da cultura, da forma de ser e
estar no mundo. A democracia precisa ser re-pensada na totalidade das
operações de poder, inclusive nas relações individuais”. Para o
professor venezuelano, o padrão moderno fracionou o ser humano, o
separou do tecido social, abriu um abismo entre cultura e natureza.
“Nosso papel é resistir a essa maneira de viver. Ela não é a única forma
de vida possível. Desde outras culturas e saberes há experiências
radicais de relação da natureza e pessoas que precisam ser divulgadas,
conhecidas e vivenciadas”.

O brasileiro Luis Alberto Gomes da Silva acredita que a mudança do mundo
e das relações de poder passam pela mudança de viver no cotidiano. E dá
como exemplo a revolução – que conceitua como um eterno revolver – que
fizeram as mulheres, desde a década de 60. Segundo ele, não há que
esperar por eleições, ditas democráticas, muito menos por chegar ao
poder instituído. “Precisamos inventar agora novas maneiras de decidir,
novos jeitos de ser no mundo, na comunidade. Sei que não é fácil mudar
conceitos, que ainda sobrevivem velhas teorias, mas é preciso caminhar
nessa direção. A história, fazemos nós!”. James Petras também criticou a democracia burguesa afirmando que, nela,
tudo está delimitado pelo poder financeiro. Há limites e políticas muito
bem definidas para o poder eleitoral. Escolhe-se – e todos sabem como –
o governante, mas o sistema não consulta o povo sobre as mudanças na
previdência, a intervenção na Amazônia, ou sobre qualquer grande tema
nacional. “Se a população passar do limite, o Estado burguês intervem.
Por isso, só se pode derrotar o Estado se o povo se organizar”.

Inventando novas canções. As velhas teorias, ao que parece, já não dão
conta do mundo multifacetado, tecnocrático e cheio de novas
contradições. Mas, em meio às brumas, novas liras dão seus primeiros
acordes e propõem formas alternativas de decidir e viver em comunidade.
Um exemplo disso são os novos zapatistas da região de Chiapas, México.
Nas cinco mil comunidades que congregam mais de 70 mil pessoas, a forma
de exercer o poder passa pelas Juntas de Bom Governo. Lá, as pessoas se
reúnem em grupos de quatro, cinco, e colocam o tema em discussão até
chegar a um consenso. Depois, vão para o grande grupo formar outros
consensos. Todos os problemas e mudanças relacionados com educação e
saúde são resolvidos pelos coletivos. Como também há uma estrutura
militar e clandestina, esta também passa pela mesma maneira de exercício
do poder. Ninguém manda mais ou menos. Tudo é decidido em comunhão. Os
novos zapatistas não acham que sua forma de organização seja melhor ou
pior. É diferente. Não passa pela eleição, por exemplo. “Tudo o que
queremos é mudar esse mundo. Sair dessa lógica capitalista, opressora.
Nós aparecemos como uma falha na matrix, mas, acreditamos que, com ela,
faremos um barco com o qual vamos todos nos encontrar”, diz o
representante chiapaneca presente no Fórum.

Outras formas decisórias em marcha são as proclamadas pela República
Bolivariana da Venezuela. A constituição de 1998 instituiu os
plebiscitos, nos quais o povo tem a chance de mudar tudo o que quiser.
Desde o presidente até as decisões do legislativo. No plano da
organização comunitária, os Círculos Bolivarianos e as Missões também
apresentam novas maneiras de exercício do poder que se explicitam como
pequenos coletivos de democracia direta. “Só há uma maneira de acabar
com a pobreza e a exclusão: dando poder ao povo. É o que estamos
construindo na Venezuela”, alega o presidente Chávez.

Os trabalhadores bolivianos de El Alto, com suas gigantescas marchas e
seus protestos, os cocaleiros, os piqueteiros argentinos, os indígenas
do Equador, os camponeses do Paraguai, todas essas são experiências de
novas formas organizativas e de reação ao mundo do pensamento único.
Novas liras para novas conjunturas. Os trabalhadores e gentes de todo o
mundo que já perceberam as mudanças, que compreenderam que o espírito do
tempo mudou e exige novas respostas, as estão dando. Os exemplos pipocam
por todos os lugares. Basta que se tenha sensibilidade para ver.

A democracia liberal está nos seus estertores. Já não serve mais. Uma
vez que tem se prestado a respaldar o terrorismo de Estado, perde o
pouco de força que ainda lhe restava. Em nome dela, os Estados Unidos
invadiram a Guatemala em 54, a República Dominicana em 65, o Chile em
73, Granada em 83, o Panamá em 89, a Colômbia em 92, o Afeganistão em
2002, O Iraque e o Haiti em 2004, financiou os mercenários na Nicarágua,
tem financiado o terror em tantos outros cantos do mundo e, agora,
anuncia pela televisão que vai destruir o Irã, Cuba, Venezuela. Tudo
isso empunhando a bandeira da “democracia e da liberdade”. Só isso já
bastaria para pôr o conceito em xeque. Mas, o certo é que as gentes de
“Nuestra América” já perceberam que a democracia que lhes cabe é
unicamente a do voto a cada quatro ou cinco anos, e ainda tutelado pelo
poder econômico. As novas experiências mostram que o povo quer mais e
vai criar as condições para que novas formas de poder sejam gestadas de
forma direta e libertária.

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