Manaus/AM – No dia 13 de março, fomos convocados para uma reunião, coordenada pela Pastoral da Juventude de Manaus. Tratava-se de reunir idéias e organizar o lançamento, em Manaus, da “ Campanha Nacional contra a Violência e Extermínio de jovens”. A Campanha expõe uma chaga social: 54 jovens vítimas de homicídio por dia, em média; taxa de 51,7 homicídios para cada 100 mil jovens; a Secretaria Especial dos Direitos Humanos estima que 33.504 adolescentes brasileiros serão assassinados entre 2006 e 20013. E um dado perverso: de cada grupo de dez jovens de 15-18 anos assassinados no Brasil, sete são negros!
Entre os participantes,:quatro salesianos Marcelo Bezerra, José Ivanildo, Deliomar Anchieta, Pe. Bené e o pré-noviço Augusto Rodrigues..Os jovens salesianos presentes estão envolvidos em ação pastoral direta com adolescentes e jovens.. Uma salesiana, ir. Nazaré. Um capuchinho, frei Éverton. .Os demais, leigos, na maioria jovens. Chegamos pensando encontrar uma sala lotada; mas éramos somente 14 pessoas…O encontro inicia e as perguntas surgem:- por qual motivo , para um assunto tão importante, os convocados resultaram tão poucos? Diziam alguns que a convocação havia sido mal feita. Desinformação ou falta de prioridade? Ou a informação seletiva, aquela que está informada somente daquilo que lhe interessa.
Parece que os adolescentes e jovens vitimados passam pelo corredor de várias mortes. No encontro de Manaus, alguns se perguntavam: quais os mecanismos sociais, culturais, educativos, religiosos, podem estar levando tantos jovens a desacreditar da vida, a abdicar de seus sonhos de futuro? Não por acaso, um de cada cinco jovens brasileiros não estuda nem trabalha, Parece que quando a bala ou a faca assassinas atingem, elas perfuram uma vida já derrubada antes, um cadáver, um coração ressequido, uma consciência esvaziada ..Quando a facada ou o tiro chegam encontram um coração totalmente exangue. Quando muitos jovens já não têm horizontes para avançar, quando já totalmente desencantados com a própria existência, muitos chegam a pensar que “matar ou morrer não faz diferença” e os comportamentos de risco se propagam. O projeto de vida se auto-implodiu durante o caminho, lembrando o foguete explodindo no ar, antes de chegar à meta desejada Esta é a primeira morte. O sonho de viver morre ! E não há estatísticas sobre esta primeira morte…
Os assassinatos físicos são a segunda morte. O sentido da vida foi se esvaindo pelos caminhos jovens como gotas de sangue, em hemorragia diária. Os jovens são assassinados e também assassinam.. Uma sangria física, moral e relacional, educacional cotidiana. Desta morte, testemunham os corpos pendurados dentro de casa, rostos desfigurados nos becos, corpos estrangulados nas celas..
A terceira morte chega com o enfoque da informação tendenciosa, preconceituosa da mídia: “jovem marginal liquidado pela polícia!”,.”flanelinha assaltante fuzilado na hora !”
Três vezes morta, a vítima conhece uma quarta. A última morte é o descaso: nada acontece, policiais rejubilam; assassinatos viram frias estatísticas,.. E quantos sabemos ler estatísticas?.. Parece que as mortes dos jovens estão envolvidas pelos mecanismos da banalização. Já não espantam nem comovem. Já não indignam. Ao saber de uma novo assassinato, muitos dizem: “De novo? Mais um!”
Esta Campanha deve acontecer em todo Brasil. Qual é a realidade de assassinatos, suicídios de adolescentes e jovens aí em cidades nossas como Belém, São Gabriel, Porto Velho, Santa Isabel, Manicoré, Humaitá, Ananindeua, Iauareté, Ji-Paraná ? Alguma gota de sangue respingou nas reflexões de preparação de nosso próximo Capítulo Inspetorial? Os suicídios de jovens no Rio Negro invadem as páginas de teses e monografias universitárias, de informes sociológicos, e é tema de um recente documentário. Passeatas já aconteceram no Rio Negro alertando para o desafio do suicídio jovem, Mas a onde não estanca..
Todos nós encontramos, caminhamos, conversamos, jogamos, celebramos com eles e elas, todos os dias. Como ensaiar juntos o hino da esperança resistente:”Amanhã vai ser outro dia!”. Como dizer, de novo, a cada pai e cada mãe, a cada educador:”Teu filho vive!”( Jo 4,59) ,” teu aluno vive”,”nosso oratoriano vive!”?
Retornei pra casa em carona solícita da ir. Nazaré. Feliz pela oportunidade de ter discutido um assunto tão vital em nossa missão. Mas, no ouvido e no coração, uma melodia inquietava :”a minha alma está armada e aponta para a cara do sossego. Pois paz sem voz, pois paz sem voz não é paz é medo”.. Medo?