EnglishFrenchGermanItalianPolishPortugueseSpanish


Notícias

“Afligidos de todos os lados, mas não vencidos”

Brasília/BR – Este pensamento da 2ª carta de Paulo aos Coríntios capítulo quarto, versículos de oito a dez, inspiraram o que desejo partilhar neste artigo sobre a Vida Religiosa Consagrada (VRC) à luz da experiência vivida em Brasília durante a Assembleia da CRB. Paulo escreve àquela comunidade e diz,

Somos afligidos de todos os lados, mas não vencidos pela angústia; postos em apuros, mas não desesperançados; perseguidos, mas não desamparados; derrubados, mas não aniquilados; por toda parte e sempre levamos em nosso corpo o morrer de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa existência. Por isso, não desanimamos (2Cor 4,8-10.16).

Na 23ª Assembleia eletiva da Conferencia dos Religiosos do Brasil, acontecida em Brasília de 15 a 19 de julho, tivemos a oportunidade de refletir sobre os cenários da vida religiosa consagrada(VRC), seus desafios e suas possibilidades. A partir do texto de Emaús Lc 24, 13-35, adentramos no caminho que o Senhor faz conosco em meio às frustrações e cegueiras. Fomos ajudados e sonhar com os pés no chão para não cair na tentação do desanimo e da desesperança. Demo-nos conta da nossa fragilidade como vida religiosa, na atual conjuntura eclesial; fomos exortados a não perder a esperança, a continuar o sonho dos nossos fundadores e fundadoras, mas, sobretudo, a reavivar o dom da vida consagrada neste momento histórico da sociedade brasileira, da Igreja e dos nossos Institutos. Saímos fortalecidos, animados, mais irmãos e irmãs.

A VRC está em apuros, ou como dizia um dos assessores, humilhada. A mesma experiência daquele casal de Emaús que retorna para casa cabisbaixo, com os olhos cobertos, o coração gelado e os sonhos desfeitos. Assim caminhamos hoje como vida consagrada. Tínhamos grandes sonhos, mas as decepções foram maiores. Contudo, assim como Jesus fez um caminho com aquele casal e lhes falou ao coração, hoje ele também nos acompanha. Ele, Jesus, é a Palavra de amparo, reerguimento, ressurreição que ecoou nos ouvidos daquele casal e continua hoje a ponto de deixar o coração ardoroso. Também nosso coração está ardoroso atentos à sua Palavra. Ele se deixa convidar pelo casal, entra na sua casa, senta à mesa e partilha do pão oferecido. É neste momento que o coração daqueles discípulos desperta da aflição e os olhos se abrem ao ver a Palavra viva que se manifesta na existência deles e gera vida. Na verdade, Jesus é o alimento mais uma vez partilhado que devolve o sentido da vida e restaura as forças. A mesma experiência nós, vida consagrada, estamos na contemplação do Senhor e não podemos nos omitir de convidá-lo a entrar em nossas casas e fazer a refeição com ele.

Não é difícil constatar que muitas coisas aconteceram e acontecem na VRC e causam medo e assombro. Era impossível imaginar o que iria acontecer nesses 50 anos do pós Concílio em nossas Instituições religiosas. Como diz Paulo na primeira a Coríntios, “até o presente momento padecemos fome, sede e nudez; somos esbofeteados e vivemos errantes; esgotamo-nos no trabalho manual; somos injuriados, e abençoamos; somos perseguidos e suportamos”( 4,11-13). Realmente “somos loucos por causa de Cristo” (1 Cor 4,10). A VRC está assustada e acuada. O que aconteceu? Fomos pegos de surpresas e terrivelmente golpeados. Nesses 50 anos nossas Instituições perderam visibilidade com o fechamento de obras e redução de pessoal, envelhecimento acelerado, aburguesamento e escândalos sexuais que colocaram em xeque a credibilidade institucional, eclesial e social. Um tsunami gerou ondas enormes que invadiram nossas casas e nossos projetos e crenças, derrubando nossas seguranças financeiras, desafiaram a virtude e a vivencia dos conselhos evangélicos, da vida fraterna e da missão; desqualificou assim o que deveríamos ser como profetas e místicos. “Tornamo-nos como lixo do mundo, a escória universal, até o presente” (1Cor 4,13b). Estamos pagando um preço caro da abertura ao individualismo, ao comodismo e toda espécie de riquezas materiais que nos colocaram no topo da competitividade e da aparência de poder.

É verdade que nesses 50 anos fizemos um esforço titânico de voltar às fontes carismáticas, porém, faltou ousadia para recuperar o que o fundador não foi capaz de fazer devido ao seu contexto; apenas nos limitamos a repetir suas palavras, gestos e investimos, muitas vezes, em  transportar de um contexto ao outro as tradições sem gerar um modelo alternativo e ressignificativo da vida religiosa segundo o sonho primeiro do fundador. Realizamos sim uma adaptação, mas não fomos capazes de nos perguntar: o que o fundador faria hoje? Apenas nos limitamos a imitá-lo sem a ousadia de senti-lo vivo hoje. O casal de Emaús foi capaz de ouvir e sair de si. Nós ouvimos muito, produzimos muitos documentos, mas nossas forças não foram suficientes para ir ao encontro com rosto transfigurado pela Boa Noticia: “Ele ressuscitou e nós somos as testemunhas” (Atos 3,15). Eles não se limitaram a imitar Jesus, mas a agir como ele agiria diante de novos cenários de missão. Correram ao encontro dos demais como verdadeiros discípulos missionários. Este dinamismo a VRC perdeu aos poucos com tantas crises e desvios.

Estamos humilhados, mas não aniquilados. Assim estamos hoje. Humilhados porque tivemos que descer de nossas glórias, de um nome que é uma marca financeira, prestígios que pareciam eternos. Esta crise epocal da VRC é de desconstrução e requer de nós uma ressignificação da identidade, saber exercer a autoridade como serviço, gerenciar os poucos recursos como pobres, estudar e projetar o futuro com mais originalidade e coragem. Portanto, é preciso recriar a opção pelos pobres, compreender e acolher que não somos tão fortes (1 Cor 4,10b) como no passado e precisamos buscar soluções comuns contando com outros parceiros. A nossa loucura é a cruz e não as paredes de nossas casas, os Regulamentos de nossas Institutições, os caprichos de nossos projetos pessoais e a busca de poder.

Nossa VRC está chamada a recuperar a ternura e ir ao encontro do outro com os olhos fixos em Jesus Cristo. Esta retomada do caminho não pode nos avergonhar (1 Cor 4,14). Jesus nos pergunta o que temos para partilhar com eles em nossas barcas. Ele é aquele que grita das margens da sociedade se temos algo para partilhar com ele. Jesus é o outro que nos chama a partilhar. Apresenta-se faminto. Ele nos manda pegar as redes e jogar no mar bravio sem medo. Nos encoraja ainda hoje a nadar até a margem para contemplá-lo e arrastar até a praia a rede cheia de peixes que ainda temos porque não estamos aniquilados.

Muitas vezes ficamos surpresos com Jesus porque ele recolhe os pedaços de pães e peixe e depois partilha conosco. Fomos educados a pedir tudo dele, mas não sabemos dar de nós a ele. Aproximar-se de Jesus, curar suas feridas, sentir compaixão e reconhecê-lo no outro parece algo muito difícil para nós. Às vezes fazemos como caridade sem perceber que é ele naquele que grita e bate à nossa porta; por isto, mesmo humilhados, sabemos que ele nos busca e quer partilhar conosco. Tenhamos esperança, vivamos o Evangelho da alegria e sejamos sinal sagrado do Senhor.

por Pe. João Mendonça, sdb

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

CURATORIUM DO CRESCO

No dia 22 de fevereiro em Tlaquepaque, Jalisco, México, os Inspetores das regiões do Cone Sul e Interamérica se reuniram para participar do Curatorium do

Leia mais

Está gostando deste Conteúdo? Compartilhe!

plugins premium WordPress
Ir para o Whatsapp
1
Precisa de ajuda?
Olá! Podemos te ajudar? 😀