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A Igreja no Estado laico


O Estado laico não tem uma religião oficial, mas adota os princípios da liberdade religiosa dos cidadãos e da autonomia das organizações religiosas da sociedade. O magistério da Igreja católica considera essa postura respeitosa e coerente com a liberdade de consciência da pessoa e com o princípio da não-interferência do Estado nas instituições religiosas.



Na sua recente visita ao Brasil, em maio passado, o papa Bento XVI afirmou: “O trabalho político não é competência imediata da Igreja. O respeito de uma sã laicidade […] é essencial na tradição cristã autêntica. Se a Igreja começasse a se transformar diretamente em sujeito político [….], perderia sua independência e sua autoridade moral, identificando-se com uma única via política e com posições parciais opináveis” (Discurso inaugural da Conferência de Aparecida, n° 4).



A autonomia dos âmbitos estatal e religioso é, sem dúvida, um bem, quando adequadamente compreendida e praticada. Essa independência não implica, por certo, em ruptura ou hostilidade entre ambas as partes; nem supõe o alheamento da colaboração da Igreja para os grandes temas referentes ao bem comum da nação, como a defesa da vida, os direitos humanos e a justiça social; embora sendo da responsabilidade direta do Estado, essas questões afetam profundamente a vida dos cidadãos, seja qual for sua posição política e religiosa.



Mas é preciso manter clara a distinção entre Estado e sociedade. A laicidade do Estado não passa automaticamente aos cidadãos, nem às instituições da sociedade, aos quais fica assegurado o direito ao pluralismo religioso; se os cidadãos, que têm fé religiosa, não pudessem expressar livremente suas convicções, ou lhes fosse tolhido o direito de participar das responsabilidades da sociedade e do próprio Estado, estaríamos diante do pensamento único e oficial, próprio dos Estados totalitários. A liberdade religiosa e o sadio pluralismo da convivência social ficariam comprometidos e os cidadãos “religiosos” passariam a ser discriminados e considerados de segunda categoria. A sociedade nada ganharia com a substituição de um pensamento religioso oficial por um pensamento laico oficial.



A laicidade do Estado implica no respeito do Estado pelos cidadãos e pelas suas escolhas religiosas livres; além disso, garante às organizações religiosas sua livre organização para atingirem seus objetivos, sempre no respeito à lei comum. Não é, pois, aceitável que o Estado seja alocado a serviço de uma única corrente de pensamento.



Não se pode esquecer, de resto, que há uma ética natural, com valores fundamentais consolidados ao longo de milênios no Oriente e no Ocidente, como o respeito à vida, a família, a liberdade, a justiça e a solidariedade; são pilares inquestionáveis da sadia organização da sociedade, que não decorrem necessariamente de uma fé religiosa, embora sejam tidos em alta estima pelas religiões; são frutos do aprofundamento racional e da experiência ética acumulada pelas civilizações. É neste sentido que Bento XVI dizia, em Aparecida: “só sendo independente, a Igreja pode ensinar os grandes critérios e os valores irrevogáveis e oferecer uma opção de vida que vai além do âmbito político. Formar as consciências, ser advogada da justiça e da verdade, educar nas virtudes individuais e políticas, é a vocação fundamental da Igreja neste setor”.



O mesmo papa, na sua encíclica Deus caritas est, recorda que o principal dever da política é promover a justa ordem do Estado e da sociedade. Evidentemente, nessa tarefa, a Igreja Católica reconhece a “autonomia das realidades temporais”, conforme afirmação do Concílio Vaticano II; não lhe cabe, enquanto instituição, substituir-se ao Estado, nem tomar em suas mãos a batalha política para realizar a sociedade mais justa possível. Isto é dever de todos os cidadãos e organizações da sociedade.



Ao mesmo tempo, porém, sendo uma das organizações da sociedade, a Igreja sente-se no dever de oferecer sua contribuição específica, através da formação ética e da oferta de critérios de discernimento coerentes, que tornem as exigências da justiça compreensíveis e politicamente realizáveis nas diversas circunstâncias históricas e sociais. A Igreja não pode ficar à margem da luta pela justiça (cf Deus caritas est n° 28).



Para isso, ela exorta os cristãos leigos a participarem, com coragem e discernimento, da atividade política, “para gravar a lei divina na cidade terrestre”, conforme sua missão e competência própria. No âmbito da militância política, são os leigos que devem assumir um papel ativo; é ainda Bento XVI que, em Aparecida, incentivou o surgimento de “vozes e iniciativas de líderes católicos de forte personalidade e de vocação abnegada, que sejam coerentes com suas convicções éticas e religiosas”. Indicava, assim, em conformidade com o magistério constante da Igreja no século passado, que a atuação concreta na política não é atribuição da hierarquia, mas é missão específica dos leigos católicos, em colaboração com muitos outros cidadãos não-católicos.



No Estado laico, os católicos proporão suas convicções e agirão em seu nome próprio, como cidadãos, e não enquanto representantes da instituição religiosa. Poderão, por certo, associar-se livremente, como quaisquer outros grupos da sociedade organizada, para propagar e defender suas convicções. Por isso mesmo também o templo católico não pode ser o local adequado para manifestações meramente cívicas ou políticas, seja qual for o seu colorido ideológico. Em tempos de plena liberdade democrática, o lugar para essas manifestações é a praça pública; ali a pluralidade das idéias e convicções tem o espaço mais adequado para as suas manifestações.



* Publicado no site da CNBB – 16 de outubro de 2007



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