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A ”encíclica transversal” de Francisco

“O título representa bem as duas fontes às que se refere o programa da nova evangelização (termo, aliás, raramente usado no documento). Trata-se da constituição pastoral do Vaticano II, Gaudium et spes (1965), e a Evangelii nuntiandi, de Paulo VI (1975). É a reabilitação pública de um magistério conciliar e pós-conciliar particularmente negligenciado durante o pontificado de Bento XVI e na teologia que fez carreira eclesiástica nos últimos anos”.

A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Saint Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 27-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Segundo Faggioli, “a Evangelii gaudium representa uma mudança de horizonte especialmente para a filosofia inspiradora do pontificado. Em uma passagem tão breve quanto afiada, Francisco afirma que a realidade é mais forte do que as ideias. É um adeus ao neoplatonismo típico do pontificado anterior”.

Eis o texto.

Depois das muitas declarações e dos gestos realizados pelo Papa Francisco desde os primeiros minutos do seu pontificado, a exortação apostólica Evangelii gaudium, datada de 24 de novembro e publicada nessa terça-feira, é o primeiro e verdadeiro documento programático.

O título representa bem as duas fontes às que se refere o programa da nova evangelização (termo, aliás, raramente usado no documento). Trata-se da constituição pastoral do Vaticano II, Gaudium et spes (1965), e a Evangelii nuntiandi, de Paulo VI (1975). É a reabilitação pública de um magistério conciliar e pós-conciliar particularmente negligenciado durante o pontificado de Bento XVI e na teologia que fez carreira eclesiástica nos últimos anos.

As citações do antecessor existem, como de João Paulo II, mas a estrutura intelectual é muito mais conciliar e pós-conciliar do que animado pelo ceticismo com relação à “opção preferencial pelos pobres” – ceticismo (quando não cinismo) que reinou até poucos meses atrás no magistério oficial.

Mas a Evangelii gaudium do Papa Francisco tem uma visão transversal com relação às trincheiras que foram se soldando ao longo das últimas décadas. De um lado, abre a uma visão social da Igreja, pobre para os pobres, necessitada de reforma (incluindo o papado), mais colegial (com uma atenção particular às conferências episcopais), mais aberta às várias formas de ministério, menos clerical.

Sobre a questão da justiça social, Francisco se coloca claramente à esquerda de Obama e de toda a esquerda parlamentar mundial, com um pedido radical de regulamentação do mercado para sanar as crescentes desigualdades e uma acusação contra as ideologias do liberalismo trickle down.

Por outro lado, Francisco não muda a posição da Igreja sobre o aborto, que não é verdadeiro progressismo, e sobre a ordenação de mulheres “que não está em discussão”. O Papa Francisco usa uma linguagem mais inclusiva do que no passado, mas, substancialmente, vê nos pedidos para a ordenação de mulheres o risco de um maior, e não menor, clericalismo na Igreja: “O sacerdócio reservado aos homens, como sinal de Cristo Esposo que Se entrega na Eucaristia, é uma questão que não se põe em discussão, mas pode tornar-se particularmente controversa se se identifica demasiado a potestade sacramental com o poder”.

Mas esse argumento não aplacará as teólogas feministas, que poderiam ver em Francisco uma substancial continuidade com a “teologia do corpo” e o “gênio feminino” de João Paulo II, e uma retórica da diferença por muito tempo usada para manter o sistema patriarcal na Igreja.

A Evangelii gaudium representa uma mudança de horizonte especialmente para a filosofia inspiradora do pontificado. Em uma passagem tão breve quanto afiada, Francisco afirma que a realidade é mais forte do que as ideias. É um adeus ao neoplatonismo típico do pontificado anterior, seja quanto a visões de Igreja, seja quanto a concepções político-sociais. Em particular, Francisco nota entre os “sinais dos tempos” a crise do compromisso em favor das causas comuns, as que transcendem o interesse pessoal. Isso faz de Francisco um papa não assimilável nem à cultura liberal, nem à progressista nas suas formas individualistas e libertárias.

É uma oportunidade para pôr fim às “guerras culturais” que devastaram a Igreja nos últimos anos – uma situação à qual a Evangelii gaudium se refere diretamente. Resta saber o quanto esse documento poderá fazer para construir uma ponte entre as duas almas diferentes do catolicismo, a tradicionalista-neoconservadora e a social-liberal.

A recepção de Francisco será particularmente delicada na Igreja mais ideologizada e polarizada, a norte-americana. Em uma discussão pública em Baltimore há apenas três dias, diante da vasta plateia da convenção da American Academy of Religion, o católico neoconservador norte-americano por excelência, George Weigel, tinha oferecido uma visão meramente “continuísta” de Francisco com João Paulo II e Bento XVI. Resta saber se a Evangelii gaudium será suficiente para convencer Weigel e todos os neoconservadores e neoliberais que Francisco é algo novo e diferente dos 35 anos de Wojtyla-Ratzinger.

Massimo Faggioli

Fonte: UNISINOS

 

 

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