Estamos aquecendo os motores para o capitulo Geral 26. Os apelos dos tempos são para retornar a Dom Bosco, ou seja, às origens! Padre Pascal não usa o termo refundação, comum na teologia da vida religiosa na América Latina, contudo o termo retornar tem a mesma força de significado. Trata-se de uma obra mística-arquitetônica, que tira coisas novas da experiência antiga muito semelhança às obras do grande arquiteto Gaudí, para criar algo novo, denso de significado.
É um retorno consciente a originalidade porque Dom Bosco foi um arquiteto da originalidade, mas com atenção a singularidade. Num contexto social e religioso da segunda metade do século XIX ele desenvolveu um estilo de vida e de ação que mexeu com atitudes morais e éticas do século da liberdade. Dom Bosco foi original nas formas, nos elementos usados no seu sistema educativo, nas praticas religiosas para atrair a atenção dos meninos. Ele criou um clima de familiaridade numa conjuntura educativa que se baseava na severidade e na distância entre superiores e subalternos. Favoreceu também a profissionalização dos meninos, criou um contrato de trabalho entre patrão e operário, tudo para evitar a exploração dos jovens. Alimentou também o sentido da transcendência dando asas à catequese juvenil, a eucaristia diária, a confissão freqüente, a elegância dos templos religiosos e celebrações festivas.
Hoje, em tempos de ofuscamento da verdade, do despertar da singularidade, da ética do desejo superando a ética do dever, de efervescência da religiosidade e de novos processos educativos, estamos sendo chamados a ser proposta de vida comunitária aos jovens, porém, o contexto é de crise da vida comunitária em todas as suas formas. A religiosidade é mais individualista e holística, muito voltada à mobilidade religiosa e ao utilitarismo religioso. Mesmo nas comunidades religiosas instaurou-se um complexo quadro de indiferença fraterna que desemboca no testemunho evangélico de vida, inclusive, comprometendo-o. A originalidade, por tanto, é saber resgatar os elementos místicos das experiências de Valdocco, o grande ícone do nosso retorno, sem pretender incutir os mesmos valores e atitudes, pois, os novos tempos se geram a partir das experiências pessoais e grupais.
Em Valdocco o clima existencial passou por fases, algumas delas dramáticas. Nos inícios do oratório, tenha-se por oratório todo o ambiente educativo, o clima era de fraterna convivência. O amor fraterno entre superiores e meninos, a convivência com Dom Bosco no pátio, os jogos alegres, os teatros, as boas noites, as companhias e os passeios de verão, marcavam o desejo de permanecer para sempre com Dom Bosco. Na segunda metade do ciclo do oratório o clima era mais dramático. As constantes e longas viagens deDom Bosco para fundar casas, construir o templo do Sagrado Coração em Roma, a organização da Congregação, os inícios das missões na América e a complexidade da casa de Valdocco com oficinas, aprendizes, tipografias, formandos, casa geral, etc, com atéseis diretores no mesmo espaço, gerou um dramático conflito no oratório. A carta de Roma de 1884, fruto de um sonho narrado ao padre Lemoyne em Roma foi uma tentativa do fundador para apaziguar os problemas entre os salesianos e os jovens. A carta dirigidaaos meninos, e aos salesianos, calou fundo em todos. No final da vida de Dom Bosco houve um resgate da leveza, ou seja, da fraternidade. Dom Bosco idoso e doente tornou-se um referencial de sabedoria e paternidade. A presença de salesianos que voltavam da América e narravam aos meninos e salesianos o êxito das missões, preenchia de vivacidade o oratório com a multiplicação das vocações e de novos missionários.
A partir deste quadro constatamos que desde as origens do nosso carisma esteve presente o princípio da fraternidade. Eis a questão. Ela deu o ritmo para o dinamismo da vida e do testemunho evangélico (Col 3,12-16). O problema, então, não está nesta ou naquela obra, nesta ou naquela pessoa; o dilema está nas mutuas relações. Vivemos uma fase de indiferença. Estamos juntos, mas vivemos separados; temos projeto de vida, mas não partilhamos os nossos avanços e fracassos; temos generosos jovens que sonham empermanecer com Dom Bosco, mas não temos referencias propositivas e ousadas. A missão carece da co-responsabilidade de todos, fruto de consciências livres e responsáveis.
É urgente, então, repensar todos os elementos arquitetônicos do nosso carisma para retornar a Dom Bosco. A meu ver, não é questão de inibir ou fechar obras, mas voltar ao clima de fraternidade e confiança, mexendo com os sentimentos, afeto e sexualidade das pessoas. Isto significa:
– Querer-se bem (Col 3,12-16; C. 50)
– Não buscar nem favorecer poderes e privilégios
– Aprender a falar bem de todos os irmãos
– Voltar à correção fraterna que nos ajuda a ser irmãos (C.52)
– Saber ser diretor a partir do principio da paternidade de Deus
– Diminuir as distancias entre salesianos e jovens (R. 176)
– As obras não podem ser administradas como uma empresa, mas como casa que acolhe, paróquia que evangeliza e pátio para encontrar amigos (C.40).
– Os salesianos precisam recuperar a visibilidade dentro da obra; ninguém ama o que não conhece (C. 39)
– A alegria, a criatividade, o ambiente lúdico e simples de nossas presenças dizem tudo sobre o nosso estilo de vida (C. 37)
– Não ter medo, muito menos, preconceitos, na partilha do carisma com os leigos e leigas. Eles nadam arrancam de nós, mas acrescentam: a abertura ao mundo, as boas relações e a reciprocidade de gênero (C. 57; CG 24)
Esses elementos arquitetônicos do ser salesiano estão sintetizados no coração oratoriano de Dom Bosco. Ele fugiu de um modelo de vida religiosa marcada pelo canonismo; em vez, cuidou de sensibilizar seus primeiros salesianos para a amabilidade, o zelo apostólico, a ousadia em tudo realizar para beneficio dos jovens; a experiência de Deus através da beleza dos ambientes religiosos e das devoções populares. Talvez a busca quase doentia dos avanços tecnológicos tenha arrancado de nós o modo simples e popular de viver. Aos poucos nos tornamos mestres e doutores, proprietários de grandes empresas educativas, idealizadores de projetos financeiros; no entanto não temos tempo para estar no meio dos jovens. Falta-nos a visibilidade como homens consagrados e amigos dos jovens. Aliás, dedicamos pouco tempo para compreender o complexo mundo dos desejos juvenis.
Quais seriam, então, os elementos programáticos para retornar a Dom Bosco? Retorno, que não significa fazer da mesma forma, mas beber da mesma fonte.
1. Nível pessoal: precisamos nos sentir acolhidos, amados, valorizados e acompanhados. Tudo tem seu tempo: tempo para aprender e para formar; tempo para cuidar e tempo para cuidar-se; tempo para festejar e tempo para silenciar; tempo para animar e tempo de ser animado, orientado. A queima do tempo, etapas, causa sérios danos a nossa personalidade. Por isso o tempo para assumir responsabilidades de governo tem sua hora e suas fases. É verdade que Dom Bosco não teve medo de fazer diretores jovens salesianos como Rua, Cagliero e outros, mas ele estava presente e os animava constantemente. Os jovens salesianos precisam de tempo para que vendo, aprendam e aprendendo possam inovar e contribuir com originalidade. A formação permanente deve ser internalizada como atitude de vida desde os inícios da formação inicial. É perda de tempo e fragiliza o processo formativo a falta de personalização da formação. Não aceito a formula ninguém educa ninguém, para mim a educação é processo mistagógico. Alguém deve saber acompanhar o outro partilhando trechos do caminho, depois o acompanhado seguirá seu rumo, após ter internalizado valores e atitudes.
2. Nível comunitário: que as novas gerações recuperem o valor de estar juntos, trabalhar juntos, formar-se juntos em contato com o contexto juvenil e popular. Por conseguinte as comunidades precisam recuperar a familiaridade: presença do diretor como animador e guia; os espaços comuns para os irmãos evitando a privatização da vida comunitária; a inserção de todos no projeto missionário da comunidade, sobretudo nos contextos juvenis; a partilha do carisma com os leigos e leigas e a promoção dos grupos da família salesiana.
3. Nível inspetorial: a inspetoria não pode ser entendida como uma super estrutura a serviço dos irmãos, mas o lugar comum no qual todos são inseridos e valorizados segundo as habilidades pessoais a serviço da missão comum. Trata-se de uma real comunidade de vida e ação, com a presença do inspetor como o primeiro animador, guia, servidor e mestre de vida espiritual, acolhendo e promovendo os irmãos. A inspetoria é um corpo social e religioso na qual os salesianos e os leigos ligados à missão crescem no saber ser salesiano, saber fazer a missão e no saber formar-se.
4. Nível mundial: nosso Instituto tem variedades muito grandes de presenças e contextos culturais. Contudo, arrisco a dizer que as cartas do atual Reitor-Mor sobre as visitas de conjunto, podem responder vários aspectos deste retornar a Dom Bosco:
– A Família Salesiana: força viva e operante em vários contextos religiosos e culturais
– A juventude: presente em todas as nossas obras, mas carente de nossas presenças efetivas com claros itinerários formativos
– As pessoas significativas: nas cartas temos sempre a referencia a pessoas, salesianos, que se destacaram na missão. Isto é importante na atual conjuntura social
– A redefinição da identidade de nossas obras: a coragem de redimensionar atividades e obras em vista da missão
– As novas fronteiras: sair da mesmice para responder aos novos desafios das pobrezas juvenis, da transformação cultural, da fragilidade vocacional e da identidade carismática
As origens são como uma fonte que não cessa de verter abundante água, mas precisa de cuidado, senão se esgota. Ser Dom Bosco que caminha não significa deixar o que se caminhou, mas valorizar as experiências de quase 200 anos sem perder a jovialidade dos primeiros tempos no hoje da nossa historia humana. Temos que acreditar que ainda é possível ser Dom Bosco hoje: pai e mestre da juventude no século da subjetividade.
Texto elaborado em 20/01/07